Uma
conversa com Maquiavel.
A
jornada de viajante entre tempos e realidades é algo muito duro e sofrido e
fico, lembrando dos amigos que vi, das cenas por onde passei e os lugares por
onde eu andei.
Estou
eu aqui novamente na bela Florença onde no passado tive a honra de partilhar um
café com um dos nomes que inspirariam o mundo o grande escritor: Nicolau
Maquiavel.
Nosso
encontro se deu há algum tempo atrás e irei agora narrar ele de acordo com o
que minha memória conseguiu gravar:
Eu
estava caminhando por um sebo de livros antigos nos dias atuais, onde você
reside meu caro leitor, no centro velho da bela cidade de Atenas, quando me dei
com um livro de capa gasta, com o nome: O príncipe escrito em inglês bem
nítido, a obra encadernada em edição de luxo comemorativa parecia estar a muito
tempo ali e eu a peguei para ler em minha viagem, vi seu preço e parei o tempo
para deixar alguns gramas de ouro das minas do novo México que eu tinha
recentemente pego para mim, durante minha viagem até aquela região durante a
febre do ouro, tão retratada nos faroestes literários.
Voltei
o tempo ao normal e sai pelas ruas daquela bela cidade, passando página por
página e tendo a estranha sensação que aquele homem estava a me mostrar
realmente como eram os grandes líderes políticos, tudo naquela obra parecia
mostrar a real forma de se governar para se manter o poder entre a humanidade e
com pesar pude perceber que o mesmo comportamento que a mim era execrável se
tornava o padrão comum de todo grande líder que eu ao longo de minhas viagens
tinha visto em diversos lugares. Evidente que nem todos eram como se descrevia
naquelas páginas, mas estes eram uma exceção a regra.
Terminei
esse livro entre outros tantos que carregava numa sacola de couro, feita na
antiga Roma, que já estava cheia de obras dos mais variados períodos históricos
e fiquei admirando Atenas com toda sua majestade filosófica frente ao resto do
mundo.
A
noite chegou e eu viajei para minha nova era num sono profundo e cheio de
pensamentos, quando acordo estou no meio da catedral de Santa Maria Fel Fiore
em plena Florença, aos pés de uma imagem de Jesus crucificado e ao olhar aquela
imagem fiquei realmente muito entristecido por lembrar como tudo havia
acontecido com aquele enviado do criador para ensinar a humanidade a amar e que
tinha sofrido tão cruel e perverso martírio.
Olhei
para o povo que estava a chegar naquele lugar sagrado e pude perceber entre
eles o homem cuja fronte eu tinha visto no livro que tanto me fizera relembrar
o passado, o jovem Maquiavel estava entrando naquela catedral, envolto em seus
pensamentos juntamente com outras tantas pessoas, fiquei imaginando se aquela
mesma figura estaria tão feliz envolta em seus pensamentos sobre a cidade daqui
a alguns anos quando essa mesma cidade o expulsasse para um exílio, abandonando
até a hora fatídica da qual nenhum homem pode escapar.
Fui
me sentar durante a missa e logo ao fim, fiquei ali vendo a imagem que estava
no altar e sai à procura daquele homem que tanto havia me admirado, fui pelos
palácios a vagar até me deparar com ele indo em direção a uma casa modesta para
os padrões atuais, mas que naquele momento era um palácio suntuoso, onde ele e
mais alguns outros homens decidiam o futuro durante a república Florentina.
Segui
o de perto puxando o capuz do meu manto para não o assustar quando me mostrasse
a ele, o que quase sempre ocorria quando eu fazia isso. Fui subindo uma série
de degraus até chegar numa área cheia de portas e vi que ele trancava se dentro
de seus aposentos.
Usei
de minhas habilidades e adentrei em um cômodo que parecia ser seu quarto e
escritório, consegui chegar ali alterando a freqüência do espaço e entrando
dentro daquele pequeno recinto abarrotado de escritos, mapas e cartas e só
então parei o tempo e me mostrei a ele.
-
Olá senhor Maquiavel!
Ele
demorou um pouco para me responder, por estar absorvido em sua leitura, mas
quando se deu conta da minha presença quase caiu da cadeira onde estava e no
susto tropeçou nas pernas e ficou estático me olhando:
-
Você é a morte que os poetas cantam em suas odes? Ele respondeu com a voz cheia
de medo e temor
-
Quem me dera ser eu aquela que traz fim à agonia humana, sou apenas um viajante
do tempo, um admirador do seu trabalho enquanto escritor e filósofo.
-
Eu? Um filósofo? Creio que erraste teu rumo, viajante, não sou nada disso, mal
passo de um administrador dessa cidade que me consome até a raiz de meus
cabelos.
Tirei
o livro da bolsa e mostrei a ele o retrato na capa, assustado ele olhou aquilo
e ficou sem entender como seu rosto poderia estar ali naquela publicação.
-
Você será o maior nome da ciência política daqui às alguns anos, sua cidade que
você tanto ama, irá lhe jogar fora quando o governo do rei voltar a mandar por
aqui novamente. No exílio e no ostracismo você definhará tentando mostrar a
todos suas capacidades como pensador e irá escrever essa obra, mostrando como
todo governante deve ser para se manter por um longo tempo.
Ele
ficou no chão, ouvindo cada palavra como se de mim saísse o santo Graal, sua
expressão de atônito, rapidamente mudou para admirado a cada palavra que eu
dizia. Você será julgado por muitos como um imoralista, um destruidor de
preceitos, mas sua obra irá perdurar por séculos à frente e todos os grandes
líderes mesmo sem conhecer irão entrar na sua teoria, sua obra será salva por
aquele que você mais tentará agradar que mesmo não lhe trazendo nenhum
benefício em vida, manterá seus textos protegidos das mãos de seus detratores
que em vida serão muitos, mas após a tua morte se tornarão milhares de milhares.
-
Obrigado sempre pensei que não seria lembrado por ninguém nessa vida, fico
triste em saber que meus esforços serão em vão, disse ele as lágrimas.
Eu
fechei a parada no tempo e recoloquei meu livro de volta na bolsa, ele ficou
ainda algum tempo, parado imóvel, aproveitei esses segundos para lhe deixar uma
mensagem em um papel:
-
Acredite na humanidade, por pior que ela seja, acredite neles, pois Deus
sacrificou seu bem mais precioso para tentar lhes salvar.
E
sai com a certeza que logo ele esqueceria tudo o que eu disse. Afinal o tempo
teima em se manter igual e somente a mensagem em uma de suas folhas em branco
irá ficar para sempre na memória dele, mesmo que não lhe dê importância será
tudo que ele terá de mim.
Sai
pelas ruas daquela cidade, pensando com pesar que tantos desastres ainda viriam
sobre aquela pérola tão ligada as artes e as ciências, um dos berços de todo
pensamento moderno, uma das cidades que tem tanta importância para o mundo
ocidental, lembrada sempre por poetas, filósofos e escritores e fiquei pensando
na vida parado na ponte Vecchio, naquela época uma pequena construção, longe da
imponência dos dias atuais, mas que já tem seu charme e beleza.
Fiquei ali pensando,
até tarde da noite, quando fui olhar mais uma vez a Catedral onde o dia tinha
se iniciado para mim e antes que os padres fechassem a eu adentrei e fiquei ali
orando a Deus por minha missão e adormeci num dos bancos, quando o relógio
bateu meia – noite, o portal veio e me levou novamente pelo tempo rumo a um
novo tempo.O trabalho Paradoxo de Personagem de quadrinhos está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.
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