segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Uma história de Lobisomem

Fui visitar você ai no Rio tem quase dois meses, mas ainda me lembro de como as crianças ficavam me pedindo para contar histórias para lhes fazer dormir! O Pedro e a Maria são muito inteligentes e tem um gosto apurado para mitologia!

Mesmo sabendo que sua melhor detesta minhas lendas por me considerar algum feiticeiro moderno, peço que leia para as crianças, essa história que me veio à mente e me fez sentar aqui na minha velha escrivaninha para lhe deixar essa carta, sei que deveria já ter aprendido a mexer no computador, mas me parece demasiado frio conversar com alguém por intermédio de uma máquina.

Essa história eu escutei nos tempos que trabalhava como caixeiro lá pela década de 60, num bar no interior do estado de Goiás, uma cidadezinha bem patética que parecia ter sido tirada de um cenário do Jeca Tatu, um lugar pacato com uma praça, cheia de bancos, enfim um lugar que parecia ser calmo até demais!

Fui até a rodoviária, comprei um bilhete para o ônibus que partiria dali a três dias! Queria ficar ali tempo o suficiente para vender algum enxoval para noivas, algum pano para senhoras, enfim queria vender as tralhas que tinha comigo, no primeiro dia foi bem nas vendas, várias pessoas compraram comigo e pude até dormir em um hotel na cidadezinha, com direito até a uma quentinha!

Mas para meu azar a comida ali era horrível e me causou uma disenteria que foi preciso que eu fosse ao hospital do lugar, não dá nem para chamar aquilo de hospital de fato, comparado com o tamanho destes lugares hoje em dia, estava mais para um posto de saúde um pouquinho maior, onde fui tratado com muito zelo por um médico que fumava um charuto cubano grosso, de longe você via que ele estava chegando por que o cheiro na sala se tornava enfumaçado!

Fiquei ali em observação, a dona do hotel ficou apuradíssima, ia toda hora me ver, talvez pensasse que eu era solteiro e pudesse ter perdido a chance de casar sua filha encalhada comigo, ria dessa possibilidade e a barriga doía! Maldito seja a ironia! Pensava com meus botões, mas naquele dia ainda teria um encontro profundo! Chegou num hospital uma jovem, de rosto tão lindo que parecia uma boneca de cera, no entanto não era o rosto que chamava a atenção naquele momento, mas sim a ferida que ela tinha no abdômen, uma dentada que tinha lhe arrancado uma boa parte de carne daquela região, deixando alguns órgãos a mostra!

O médico abandonara o charuto e fora junto com ela atravessando os corredores até a sala de cirurgia, onde tempos depois fiquei sabendo que ela não tinha resistido aos ferimentos!

Dois dias depois eu estava recuperado, bem a tempo de ver o enterro da garota, já tinha perdido o bilhete então resolvi ficar para saber o que tinha acontecido com aquela bela moça que tinha passado de relance pela minha enfermaria enquanto eu perdia até as tripas no vaso!

O enterro foi uma cerimônia triste! Parecia que toda a cidade estava ali naquele momento! Foi uma comoção total! Vi tudo de longe, num pequeno muro que serviu para evitar que eu tivesse de entrar no meio da multidão, fiz isso por que como sabem tenho um metro e cinqüenta e dois centímetros e por essa falta absoluta de altura que Deus não me deu, tenho sempre de improvisar frente aos obstáculos da vida!

O padre rezou uma missa pela alma da moça e no instante em que baixaram o caixão na terra à mãe sofreu um desmaio, vi que alguns homens a levaram para o hospital! E fui junto por que queria saber mais sobre o tema! Só sabia que era a mãe da falecida por que todos passavam por ela e lhe abraçavam e a dor dela parecia mais legítima!

Entendam crianças! Quando vocês foram a um enterro e quiserem ver quem são os parentes mais próximos do morto, verifiquem aqueles que quando o caixão baixa na terra choram mais!

Fiquei ali no hospital, me passando por parente, eis que vejo entrar pelo corredor a dona do hotelzinho, que quis armar uma revolução para conseguir entrar na enfermaria onde sua irmã estava sendo tratada.

Consegui entrar no meio da fúria dela e lhe acalmar, sentando a num banco quando vi que tudo estava mais calmo resolvi entrar no assunto!

_ Como foi que sua sobrinha morreu?
_ O moço é da cidade não deve acreditar, mas juro pela morte da minha mãe que viva ainda está! Que a menina se apaixonou por um lobisomem. Disse a mulher me deixando espantado ali na cadeira!
_ Como assim um lobisomem? A mulher me olhou com um olhar direto e disse:
_ Essa história começa há duas noites, minha sobrinha Margot saiu de casa para ir a escola, mas acabou desaparecendo! Os soldados foram tudo chamados, mas a menina não foi encontrada em lado nenhum, até que um viajante vindo de caminhão passou pela estrada de terra que dá acesso mais para o fundo do interior e viu no meio de um desbarrancado um corpo cheio de urubu em volta!
A menina estava lá embaixo com aquela mordida, dando os últimos suspiros, coitadinha! Ainda vestia a roupa da escola! O namorado dela sumiu da vila desde então! Ninguém acha o maldito!
_ Ele era o sétimo filho de um sétimo filho! O barão de Agenhém, um homem que já morreu faz tempo e completou a frase dizendo: Tanto o avô, quanto o pai e o filho terminaram matando uma inocente, três moças, todas três da minha família!
Escutei aquela história e resolvi ir embora naquela noite mesmo, mas o azar estava do meu lado e há alguns quilômetros da vila, o ônibus estragou no meio da mesma estrada onde tinha sido encontrada a jovem!
_ De tanto escutar histórias sobre monstros me tornei um tremendo covarde e fiquei dentro do veículo quando todos desceram, fiquei olhando as pessoas carregando seus pertences até a beira da estrada, quando uma mulher que carregava galinhas se desequilibrou e deixou à gaiola cair no barranco ao lado da pista! Vários homens juntaram para pegar as galinhas da senhora, mas quando chegaram à parte mais baixa do mato, viram somente um bicho grande, seis vezes maior que um lobo lá embaixo, começou uma gritaria e ao ouvir aqueles gemidos sai do carro e pude ver um dos homens serem levado, enquanto o motorista com uma lanterna mostrava toda a cena, o homem até tentou lutar com a besta! Mas era algo impossível! O bicho parecia ser possuído pelo demônio e corria como a luz e logo a cabeça foi decepada e a fera comeu o que pode do corpo, enquanto os mais fracos corriam de volta para o carro!

Eu fiquei ali parado aterrorizado demais para ver qualquer coisa! Ainda hoje tenho pesadelos com aquela cena! Vendo o homem ser comido até o último osso!
Hoje ninguém acredita em lobisomens, mas mando junto um recorte de jornal da época para as crianças provarem que era real e que pessoas sérias como militares de alta patente acabaram mostrando o monstro! Morto meses depois disso!

Meu filho não deixe que a religião da sua mulher não permita suas crianças terem a capacidade de sonhar! Eu queria tanto que elas lessem minhas histórias! Você as sabe de cor, mas quase nunca tem tempo! Seja mais pai dos teus filhos ou do contrário você os perderá para sempre!

Estou com saudades dos meus melhores leitores! E vou ao Rio nas próximas semanas! Irei ficar na casa do Pacheco e do Zeca, meus amigos dos tempos de policial, não se preocupe com as chateações de sua esposa que não gosta de mim! Mas me deixe ver as crianças! Aguardo respostas, um abraço de seu velho pai!


O Garoto que me salvou a vida

Não havia no que acreditar!
Tudo estava acabado para mim! Tudo não tinha mais sentido, eu iria me jogar da ponte!

A noite estava um escuro completo, igual ao meu coração, os carros passavam no viaduto numa velocidade incrível e a cada vez que eu olhava lá para baixo uma voz aparecia na minha cabeça, uma voz que parecia me mostrar um paraíso de felicidade e alegria lá embaixo. Uma voz que parecia mostrar que cada problema meu iria acabar no exato momento.

Eu que estava só encostado na mureta da ponte, resolvi me sentar ali e esperar o sol nascer para morrer! Fiquei ali e várias pessoas passaram boa parte nem me olhou, outras pensando ser eu um doido qualquer sairão correndo dali, rápidos como pensamentos que se vão!

A voz na minha cabeça estava quase me empurrando, me falando sobre a dor e a tristeza que eu sentia, quando um garotinho de aparência suja, na verdade, o garoto causava asco aos estômagos mais fracos! Seu cheiro era podre! Ele me viu ali naquela posição preparando me para me matar! E com um sorriso ficou me olhando até que pulou a mureta e ficou ali sentado ao meu lado.

_ Tio! A morte cura tudo?
_ Não sei! Mas talvez ela dê a solução que eu precise!
_ Será que ela dá comida para gente? Será que depois de morrer nós temos pão e uma mãe para cuidar da gente?

Ouvindo as perguntas do garoto, confesso que fiquei desconcertado, pensando sobre o que aquele menino deveria estar passando para me fazer uma pergunta daquelas! Até a voz na minha cabeça cessou!

_ Por que está me perguntando isso garoto! Não vê que não quero mais viver?

_ O senhor comeu hoje? Teve chance de tomar um banho? Vai deixar alguém para chorar por você? Disse o garoto me olhando com uma cara de inocência que me abriu o peito!
Eu iria deixar sim! Um casamento que me desgostava, mas que ainda havia amor, dois filhos que ficariam sem um pai e um monte de amigos que cultivei por tanto tempo! Eu tinha comido há poucas horas e minhas roupas e meu corpo estava limpo! Outra voz me dizia para parar com aquilo por que eu de fato estava muito bem em vista de outras pessoas que sofriam bem mais!

_ O senhor poderia me contar por que quer morrer! Toda noite vejo gente aqui que quer morrer, toda noite alguém vem aqui para morrer, toda noite é a mesma conversa! Eu moro na rua desde que nasci, sei lá há quantos anos, mas todo dia, fico aqui observando e perguntando por que tantos querem morrer!

_ Eu quero morrer por que estou sem emprego! Minha esposa me enfada duvidando de meu amor, meus amigos tem coisas melhores do que eu! Enfim quero ir por que não agüento mais! E saia já daqui!


O garoto me olhou, pulou de volta a mureta e disse:
_ O senhor realmente merece morrer! Por que nem sabe a sorte que tem por estar vivo, saudável, com um monte de amigos dos qual você cobra atenção, mas nunca aparece! Uma esposa que você trata como um cachorro e quer que ela não se sinta menosprezada!
_ Sabe tio! Você é um completo imbecil, seu ego é tanto que fará bem ao mundo que um caminhão te pegue para que possa esmagar um pouco desse seu ego maldito!
O garoto disse aquilo e as palavras dele me doeram a alma, algo naquilo tudo tinha me tirado a vontade de me matar! Eu olhei para baixo e num relance o medo da morte retomou o lugar e pulei de volta o mais rápido possível, no entanto quando olhei para os dois lados, ninguém estava ali naquele local! NINGUÉM!
Era como se o garoto tivesse vaporizado no ar! Sai dali e voltei para a casa, abracei minha esposa e desde então dou muito mais valor a minha vida! Lembro que naquela noite ao fechar a janela do meu quarto vi uma ave negra de bico grosso, um corvo, que me olhava com o mesmo brilho do garoto! Uma ave estranha que parecia parada no muro e que após me encarar foi se embora! Voou para os céus em direção não sei aonde! Espero que Deus proteja aquele garoto! Todos os dias eu passo naquele mesmo local a noite! E toda noite alguém naquela ponte parece tentar se matar! E toda noite alguém me pergunta: Você viu o garoto que estava ali ao meu lado? Queria ver ele novamente para lhe agradecer por salvar minha vida! Queria lhe agradecer por me tornar alguém melhor! E assim nasceu a lenda do menino da ponte! Um mito urbano que permeia anos a fio! E agora que estou com meus quase oitenta anos e minha mulher se foi esse ano eu resolvi escrever para passar aos meus netos como tive um encontro com essa lenda!

Espero que eles gostem João! Conheço outras histórias daqui de Brasília e poderia mandar mais relatos para eles caso queiram! Beijos a todos e venham - me ver quando puderem! Estou com saudades!

Sons da noite

Caminhar a noite é uma experiência que sempre fascina. Os sons a noite são mais aguçados. É como se a ausência de luz tornasse tudo mais son...