quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

O plano

Viver em fuga é exaustivo. Saber que o silêncio e o cuidado são o essencial para ficar vivo é horrível.
Fui vítima de um serial killer anos atrás, meu nome é irrelevante. Já usei tantos que nem mesmo me lembro quem sou.
Escapei por que na luta contra ele consegui atirar no seu pé, fazendo o cair. 
Se eu tivesse sangue frio teria o matado ali, mas o instinto de fugir tomou conta e eu pulei a janela.
Fugi de tudo. A polícia me encontrou vagando. Foram na minha casa e não o encontraram, apenas uma mensagem: Eu vou te pegar.
Desde então, eu desapareci. Vivo na proteção a testemunhas e sou mais cuidadoso do que é necessário.
Só uso telefones descartáveis, nunca mais falei com familiares e não paro muito em nenhuma cidade. 
Sempre estou alerta. Esperar um ataque constante me deixou com paranoia. Dormir é um privilégio. Só consigo quando estou exausto.
Preparei um plano para escapar disso tudo. Um grande golpe para voltar a ter uma vida. Mesmo que para isso eu tenha de perder minha identidade para sempre.
Irei dar ao assassino um corpo. O plano começou quando passei a trabalhar numa funerária.
Lidava com a morte todos os dias, vendo em cada cadáver o meu futuro. 
Um dia apareceu um rapaz com meu peso e altura. Eu já tinha preparado radiografias com meus dentes, falsifiquei as. Tirei meu próprio sangue e coloquei como evidência daquele corpo.
Já tinha levado uma peça de roupa minha, vesti o com cuidado e apaguei os registros de sua entrada no necrotério.
Coloquei o corpo no meu carro e mandei uma mensagem de despedida para o agente da proteção a testemunha, para meu chefe na funerária, enviei até mesmo para minha família.
Queria que todos soubessem do meu suicídio.
Levei o carro até fora da cidade, deixei o celular ligado, coloquei álcool no corpo e um pouco de nafta dentro da boca dele. Acendi e sai dali.
Quando ouvi o carro explodi, sai correndo entrando no meio da mata, o mais longe que pude.
Tudo o que tinha agora estava na carteira. dez notas de cem reais e duas fotos.
Meu antigo eu tinha morrido.
Naquela noite eu dormi direito dentro de uma caverna próximo do local da explosão.
Tomei banho num rio próximo, e relaxei. Peguei uma carona para longe dali.
E fui pegando caronas, até me tornar ajudante de caminhoneiro.
Juntei mais dinheiro. Comprei uma mochila e várias peças de roupa.
Sempre mudava de nome. Mas como não tinha documentos evitava os policiais.
Numa parada de caminhões, roubei o documento de um cara que tinha sido espancado após roubar na sinuca.
Troquei a foto dele pela minha e a partir dali assumi a vida dele por um tempo.
Nunca parava quieto, e constantemente mudava minha identidade quando tinha oportunidade de roubar.
No entanto, numa parada de caminhões em Salvador, no banheiro saindo de um banho eu o assassino. Ele riu para mim e ficou ali parado usando uma bengala, enquanto eu ainda molhado fiquei paralisado de puro medo.
Sai dali correndo, e voltei a estrada. Sabia que ele estava atrás de mim. Tinha conseguido me seguir, mesmo depois de eu morrer.
Semanas depois fui a delegacia e contei a minha história.
Fui preso e levado a um sanatório, depois do meu advogado alegar insanidade. Me doeu ver meus filhos adolescentes virarem o rosto para mim. Ver na face da minha ex - esposa apenas uma expressão de nojo.
Escrevo isso, por que essa semana chegou um novo paciente. Um velho, manco, que sorriu quando me viu.
Sei que tenho pouco tempo. Ele veio para me matar. 

Sons da noite

Caminhar a noite é uma experiência que sempre fascina. Os sons a noite são mais aguçados. É como se a ausência de luz tornasse tudo mais son...