quinta-feira, 30 de maio de 2019

Há um estranho no meio de nós

Era a primeira manhã de outono.
Eu e um grupo de amigos fomos para as colinas filmar a vida na floresta.
Queriamos ficar famosos e ser contratados para fazer aventuras.
Eu era o único que não fazia proezas. Apenas as registrava. Passei um dia inteiro com uma câmera na mão registrando tudo que meus amigos faziam.
Fui escolhido para ter somente essa função pelo fato de ser manco e não conseguir enxergar um palmo a frente do nariz sem meus óculos.
Anoiteceu e fizemos um acampamento próximo a uma árvore isolada no alto da colina.
O fogo mal servia para aquecer todos e na alta madrugada começamos a tremer.
Fora das barracas o vento trazia sons estranhos. Não consegui dormir por causa do frio. Sentia me como um alpinista que vê seu corpo pouco a pouco congelar sem poder agir.
Meus colegas sentiam o mesmo. Variava somente a força.
Um dos rapazes, James, um garoto índio de aparência esguia e corpo bem magro adormeceu e logo começou a delirar.
Passei a mão em sua testa e vi que tinha uma febre bem alta.
Vendo a morte de um amigo decidi encarar o frio. Mesmo que lá fora tivesse uma nevasca. Não me importava nada além de salvar aquela vida.
Meu avô servirá a vida toda no médico sem fronteiras e me disse uma frase: A coragem é algo que se tem na hora da necessidade.
Os outros garotos tentaram me impedir.
Disseram para esperar. Que sair dali era loucura.
Mas eu não me importei. Enrolei o pobre James em dois cobertores. E carreguei o junto com minha mochila.
Sai da barraca e deixei meus amigos ali.
O frio cortava como navalha. Logo adiante o peso do garoto e da mochila me fez ficar cansado em demasia.
Abandonei a mochila e segui por um bom tempo até quase cair na beira da estrada. Estava exausto. Meus óculos estavam embaçados e a sola dos meus pés estava repleta de calos.
Eu não conseguiria carrega lo mais. Me senti frustrado.  Era como se tivesse falhado comigo mesmo.
Estava prestes a chorar como um bebê quando um carro passou na estrada. Acenei com toda força.
Era um policial rodoviário que estava preparando uma equipe de busca para nos resgatar.
Ele me reconheceu na hora. Saiu do carro e pegou James nos braços enquanto abria a porta de trás e me colocava junto do garoto no banco de trás.
Correu muito e chegou rapidamente ao hospital. Meus pais e os de James já estavam ali.
Respondi muitas perguntas.  Muitos garotos tinham fugido para aquela "aventura" e ao anoitecer tinham deixado seus pais apavorados.
Dei exatamente a localização das barracas.
Os policiais saíram e minha avó me deu um sermão quilométrico. E só amenizou meu castigo pela coragem que eu tive.
No entanto mesmo se ela me batesse eu ainda sim ficaria feliz. James ficaria bem. Apesar de ter uma febre forte e quase ter morrido iria escapar.
Olha lo na cama ao lado me dava algum conforto naquela noite fria.
Ao amanhecer começaram as más noticias.
Encontraram o acampamento e até minha mochila.  Mas nenhum dos garotos foi achado.
Apenas encontraram um pedaço de tecido grosseiro. Uma espécie de algodão bem bruto e sem nenhum acabamento no meio de uma das barracas.
As mochilas dos garotos estavam em suas posições e até alguns sacos de dormir estavam como eles deixaram.
Eu fiquei em choque. Alguém levará meus amigos! E eu os havia deixado. Me senti péssimo.
Meu único consolo é que eu tinha salvado um.
Os dias se passaram e a comoção se tornou total. Tanto que eu precisei ser enviado para a casa de uma tia. Algumas pessoas na cidade começaram a sussurrar que eu tinha matado os outros garotos ou estaria ajudando os assassinos.
Quando cheguei na minha nova moradia vi no meio de meus caixotes a fitas daquele fatídico dia.
E meu pavor foi imenso: Em vários pontos da gravação dava para ver nitidamente um homem alto. Vestia se de terno e tinha uma máscara de pano grosseiro.
Eu fiquei congelado ao olhar para a criatura. Confesso que até falar disso me assombra.  É como se eu pudesse ver novamente aquele rosto apontado em minha direção.

Sons da noite

Caminhar a noite é uma experiência que sempre fascina. Os sons a noite são mais aguçados. É como se a ausência de luz tornasse tudo mais son...