sábado, 31 de outubro de 2015

Um final bom. Parte 1

A estranha morte do diplomata Sírio.

Brasília: 24 de dezembro de 2016.

“É interessante como uma morte pode provocar uma escala de eventos bastante sutil, uma engrenagem disposta de tal modo que acaba por moer todos os envolvidos."
Estamos há um dia do natal e eu estava na feira, cobrindo um assassinato ocorrido, uma briga entre dois bêbados que terminou de maneira trágica quando um deles pegou uma garrafa e partiu para cima do outro, golpeando o diretamente no peito, perfurando a veia coronária fazendo com que o adversário caísse no chão já desfalecido, tudo aconteceu muito rápido e os frequentadores do local, não tiveram tempo de impedir tudo aquilo.
Mas depois do fato consumado pelo menos ajudaram a prender o assassino, um pedreiro de nome José, quarenta e três anos e há vinte e nove, um consumidor inveterado de bebidas alcoólicas.
Era apenas mais um caso para o jornal, apenas mais uma página, em que eu colhia testemunhos, quase todos desencontrados e montava uma sequência do que havia ocorrido ali, tudo era muito enfadonho e depois de tirar algumas fotos do morto, tratei logo de sair daquele ambiente, montei o texto base no celular, em uma padaria próxima e guardei no bolso do casaco.
Estava frio aquele dia, fiquei ali sentado num banco nos fundos do local, lá dentro estava escuro e eu pude ver os últimos raios de sol descendo. Era próximo as cinco da tarde e eu estava bastante cansado, tinha passado várias horas trabalhando em diversos casos para o jornal quinzenal: “Relato Policial”.
Já tinha várias matérias e pensava em ir para casa descansar e tomar um bom banho, quando meu telefone toca, era o meu chefe, exigia que eu fosse imediatamente até a embaixada da Síria, pois havia ocorrido alguma coisa ali e como eu conhecia vários policiais e tinha bons contatos tinha sido escalado para cobrir aquele caso, quando ele ouviu minha voz cansada, quis me animar dizendo: “ É provável que isso te dê até um prêmio, agora vai logo!”, e desligou me deixando atônito e enraivecido.
Liguei para um táxi e uma hora depois, tínhamos chegado ao destino, a embaixada da Síria, o local estava cheio de policiais federais e já havia chegado até a equipe de perícia.
Vi diversos funcionários sendo interrogados por um homem de cabelos ruivos, baixo, com cara de poucos amigos. Resolvi que não era hora de me aproximar e esperei até que os interrogados fossem liberados e chamei os para conversar, e assim consegui entender o que havia acontecido.
Nenhum funcionário ficava na embaixada a noite, exceto o diplomata e sua equipe de seguranças, nem mesmo os secretários ficavam ali dentro ao anoitecer. Logo entendi por que a polícia não tinha detido nenhum daqueles funcionários para maiores averiguações.
Os quartos ficavam na ala sul do prédio construído em um formato retangular, sendo que os seguranças ficavam no andar de baixo e somente o embaixador ocupava a parte de cima, em um grande aposento de quase cem metros quadrados.
O corpo tinha sido encontrado pelo secretário que havia saído dali mais cedo em estado de choque, o mordomo do lugar me contou que ele viu a cena do crime e o que havia acontecido era no mínimo selvagem.
O rosto daquele senhor de aparência austera estava branco, e demorou quase meia hora para conseguir me dar algum relato mais sério do ocorrido.
Pela manhã, o secretário foi até o quarto e percebendo que o senhor Ahmed ainda dormia resolveu abrir a porta, pois tinha um chamado urgente vindo de Damasco para ele, pegou uma cópia das chaves numa gaveta no escritório e abriu, quando se deparou com a seguinte cena: O quarto todo estava cinzento, haviam ligado a lareira com as janelas fechadas e era possível cortar o ar, tamanha a quantidade de fumaça,  somente quando está se dissipou foi possível ver o corpo morto, a pele estava azulada e o rosto tinha uma aparência monstruosa, o pobre funcionário saiu correndo louco, eu corri para o quarto, puxei o interruptor do exaustor da lareira e pude ver todos os detalhes, o lençol estava coberto de sangue. E todo o tapete parecia coberto de sangue, ele me falou que notará também um fato interessante: Uma das janelas, que dava para um pequeno bosque nos fundos da propriedade tinha palavras escritas com sangue, num idioma que ele não entendia.
O homem não teve tempo de me contar mais nada, pois fora chamado novamente pelo chefe da investigação que queria saber mais sobre o caso todo, provavelmente com o secretário em estado de choque aquele pobre mordomo acabaria detido para mais averiguações.
No entanto em pouco tempo eu também fui chamado e dois policiais vieram me escoltar até a presença do Investigador Medeiros, um homem de grossos cabelos ruivos nariz rombudo e uma atitude grosseira que demonstrava um homem de temperamento bastante explosivo.
_ Quem é o senhor e por que está fazendo perguntas? Exijo ver imediatamente sua carteira de identificação como jornalista! Caso contrário será levado para a delegacia para maiores esclarecimentos.
Pedi permissão a ele e retirei do bolso a minha credencial como jornalista investigativo, ele rapidamente checou tudo e com um riso de escárnio me devolveu dizendo:
_ Um jornalista abutre! Como soube do caso antes do restante dos seus colegas? 
_ Meu editor me ligou e disse para eu vir para cá! Ele apenas olhou para um dos agentes e logo soube que meu editor teria explicações para dar.
_ Fui levado para dentro do local, numa sala junto com as testemunhas do caso, e com um riso de escárnio Medeiros disse:
_ Como você chegou cedo ainda me pegou de bom humor, vou permitir que converse com as testemunhas, mas não demore muito, pois é questão de minutos para que seus colegas apareçam e eu não vou deixar todos eles entrarem e saiu me deixando ali no meio de todas aquelas pessoas assustadas.
Não havia muito o que perguntar para eles, boa parte era da equipe de segurança, no entanto consegui um detalhe deles bem importante:
Eles haviam recebido ordens expressas para não irem até o andar de cima durante toda a noite não importasse o que ouvissem e um dos seguranças me contou depois de quase uma hora que naquela noite ele não havia dormido direito e tinha ido até o banheiro lavar o rosto quando escutou uma briga vindo do andar superior, ouviu pessoas discutindo fortemente, mas passados poucos minutos não havia mais nenhum som e como eles tinham ordens expressas para não se intrometer resolveu ir deitar e só na manhã seguinte se deu conta de tudo o que havia acontecido.
Depois de alguns minutos ali naquele lugar, um policial me escoltou até o lado de fora e eu percebi o motivo, vários canais de imprensa tinham chegado ao local e eu tinha estourado a minha permissão para ficar ali dentro.
Sai dali e fui logo cercado por vários colegas de outros jornais e emissoras que queriam mais detalhes, no entanto não conseguiram nada de mim, pois estava tão cansado que mal conseguia falar, fui para casa com a certeza que aquilo tudo que eu ouvira e anotará seria realmente algo grande, só não esperava que fosse tão imenso como horas mais tarde se mostraria.


O quase sequestro da filha do embaixador Russo

Brasília 25 de dezembro de 2016

Não me lembro como cheguei em casa, só sei que acordei tarde, por volta do meio  dia, ainda estava vestindo as roupas do dia anterior, sinal que tinha me deitado de qualquer jeito no sofá.
Meu celular tinha acabado a bateria, coloquei o para recarregar e fui tomar banho, mas antes que eu ligasse o chuveiro, mais de trinta mensagens e pelo menos umas cinquenta ligações apareceram na tela.
O aparelho parecia possesso, apitando como louco, corri para ele e fui lendo as mensagens, muitos queriam saber o que tinha acontecido na embaixada, outros tantos números de ligações eram do meu chefe, mas naquela hora uma mensagem somente chamou minha atenção: Minha namorada tinha terminado tudo comigo, após eu não aparecer em mais um encontro.
Depois de ler a mensagem dela, me xingando deixei o celular em cima de uma pequena mesa e sai para meu banho, mas mal tive tempo de me vestir quando apareceu na minha porta o motorista do jornal, batia na porta, com força gritando meu nome, confesso que fiquei assustado, por que conhecia a voz do Joaquim e sabia que ele só carregava repórteres como eu em casos graves.
Atendi a porta e o motorista me contou que o chefe desejava falar comigo rapidamente, queria minha crônica para ontem e estava nervoso demais pelo fato de eu não ter atendido ao celular.
_ Vamos logo senhor Orzikoff ou o seu Mário vai ter um ataque!
Sai de casa com meu celular e minhas anotações e percorremos as ruas rapidamente, sem falar nada, o pobre motorista dava sinais de bastante apreensão, o suor corria em seu rosto mesmo estando um dia frio com céu nublado.
Quando paramos na sede do jornal, pude perceber o motivo, o dono do lugar parecia estar próximo a um ataque cardíaco, quando eu cheguei deu um berro me chamando para sua sala.
_ Onde você esteve? Por que não atende essa porcaria de celular?
_ Cadê sua coluna? Anda me fala algo?
A cada palavra o rosto daquele homem parecia se avermelhar mais, e quando ele terminou de me perguntar pensei que o coração dele iria parar ali na minha frente.
_ Não tenho culpa se o senhor me força a trabalhar em turnos de vinte e quatro horas e não me permite nem descansar, além de me deixar com as piores reportagens.
_ Sou mandado para todos os casos mais terríveis, simplesmente por que o senhor quer, portanto diminua a voz, pois caso contrário vendo toda a história para um jornal maior em troca de um salário menor e uma jornada de trabalho menos estafante.
Eu sabia que aquela era a oportunidade de pedir um aumento, pois o editor estava em minhas mãos e sai com a face de alguém que tinha sido bastante ofendido, rumo a porta.
_ Seu verme maldito! O que quer para ficar aqui?
_ Que tal começar com um pedido em bons modos e uma das motos do jornal para eu não precisar ficar gastando dinheiro com táxis e ônibus.
Ele pegou um lápis e quase o quebrou com uma mão só, parecia estar tentando se controlar e então me disse já um pouco mais calmo:
_ Tudo bem, pode pegar uma das motos, agora já para sua mesa e escreva rápido essa história!
_ Pode me dar a chave da moto? Ele me olhou parecendo que iria me engolir, mas percebendo a situação abriu a gaveta e tirou de lá uma chave que atirou na minha direção.
_ Tome e saiba que se ela voltar com um arranhado é bom você ter uma bela história para contar ou estará demitido para sempre.
Peguei a chave e sai rapidamente da sala enquanto o velho tinha uma crise histérica e xingava até os retratos dos seus antepassados pregados na parede.
Corri para minha escrivaninha e relatei cada um dos fatos que consegui coletar tanto da história da feira quanto do ocorrido na embaixada. Era perto das três horas quando terminei e mandei para o revisor, no dia seguinte sairia a última edição do ano e por isso todos estavam ali, mesmo sendo dia de natal.
O revisor gastou meia hora para corrigir meu texto e em cada página parecia querer me dar uma aula de gramática, mostrando meus erros de linguagem, meu excesso de vírgulas e algumas repetições de palavras desnecessárias.
Mas tão logo aquela aula acabou, meu texto foi enviado para o chefe e como até as cinco horas da tarde ele não havia me mandado ir na sala dele, eu estava liberado. Poderia ir a Goiânia e chegar a tempo de comemorar o natal com minha avó!
Desci até a garagem do jornal, girei a chave da moto e sai dali, fui andando pela cidade como há muito tempo eu não fazia, esperava chegar em casa em alguns minutos no entanto quando passava por uma avenida há poucas quadras do congresso nacional, vi um grupo de homens fecharem uma limousine oficial na minha frente, estavam em carros populares, mas armados para uma guerra.
Eu parei a moto e fiquei vendo tudo aquilo, ao longe pude ver um helicóptero de telejornal vendo toda a cena, provavelmente aquilo estaria em questão de minutos em todas as TVS do país.
Foram rajadas e mais rajadas, até que os seguranças saíram do carro, atirando e em questão de minutos foram alvejados pelos bandidos que estavam em maior número e tinha mais poder de fogo.
Nesse instante eu vi uma jovem, magra de rosto delicado e cabelos ruivos abrir a porta do carro e sair correndo, dois dos criminosos saíram em disparada atrás. Logo entendi que ela era o alvo e num instante de heroísmo, acelerei a moto e corri em direção a ela, segurei a pelo braço e rapidamente dei meia volta e sai em uma corrida suicida.
Os homens voltaram para dentro dos carros e em questão de minutos estavam atrás de mim, mal tinha tempo para pensar, a jovem na garupa estava tão agarrada a meu peito que estava quase me sufocando, lágrimas caíam de seus olhos, corria por entre o trânsito, não sabia o que fazer, quando por sorte me situei que estava próximo da sede da polícia federal.
A moto estava quase sem gasolina após quase uma hora de perseguição, mas consegui chegar até lá, quebrei o portão do lugar e me instalei lá dentro. Os bandidos não ousaram passar e segundos depois, eu e a jovem estavamos cercados de policiais que nos levaram para uma sala de interrogatórios.
Mal tive tempo para fazer uma pergunta para a jovem antes que Medeiros chegasse na sala, pelo menos agora eu sabia quem havia salvo a vida: Morgana Tripnovich, a filha do embaixador russo.
Medeiros foi meio zombeteiro comigo, dispôs os objetos que foram encontrados conosco na nossa frente enquanto ia rindo.
_ Ontem como um mero repórter, hoje como herói russo! Devo admitir que seu nome Jeremias Orzikoff será rapidamente lembrado tanto quanto o de seu pai, correspondente morto pelas ASFARC, numa cobertura na selva Venezuelana, três anos atrás.
Senti na fisionomia dele que estava se divertindo nos mantendo presos ali dentro até que ouvi uma pancada na porta e entrou o superintendente da polícia federal e mandou que o subordinado saísse dali e logo atrás chegou um homem forte, medindo quase 2 metros de altura e abraçou a jovem ao meu lado, quase ao ponto de esmaga - la.
Os dois trocaram algumas palavras em um idioma que eu não conhecia e logo o homem deixou a moça de lado e me deu um abraço também e confesso que até hoje minhas costelas ainda reclamam daquela efusividade toda.
O homem gritou com o superintendente e logo todos nossos bens foram devolvidos inclusive a chave da moto do jornal e só naquele instante eu percebi que estava desempregado de qualquer jeito.
Caminhei até a garagem do lugar, pensando que ficaria devendo para o jornal e em todas as desculpas que eu teria de dar. Confesso que naquele momento minha cabeça recuperou a noção dos fatos, foi como se a realidade caísse em cima de mim com o peso de um elefante.
Saí dali arrastando a moto que tinha a roda da frente completamente danificada, após termos arrombado o portão.
Quando chego na rua, encontro um carro com a porta aberta me esperando, rapidamente dois homens de um guincho levaram minha moto e eu fui conduzido para dentro do carro e mal terminei de me sentar quando aquele homem grandalhão disse:
_ Precisamos conversar! E saímos dali em direção a embaixada russa, para uma conversa que seria surpreendente.

Sons da noite

Caminhar a noite é uma experiência que sempre fascina. Os sons a noite são mais aguçados. É como se a ausência de luz tornasse tudo mais son...