sexta-feira, 7 de junho de 2019

A vida por um fio

Era noite. Eu estava ali fechado dentro de um banco sem esperança alguma de sobreviver.
O local tinha sido invadido por bandidos e eu era o próximo a morrer se a negociação continuasse dando errado.
Sabendo que suas horas estão se acabando qualquer homem começa a olhar para o passado e tentar se arrepender de todos os erros.
Eu nasci numa favela. Lugar sujo e sem esgoto. Minha mãe era uma vendedora numa padaria e não raramente a única comida que tínhamos era pão velho.
Meu avô era um tarado que certa vez tentou estuprar minha irmã mais nova e ela num puro ato de desespero começou a gritar o que fez os vizinhos aparecerem e surrarem o até a morte.
Eu cresci sem pai, não tinha amigos na escola. Acabei tomando gosto por assistir filmes e ler. Algo incomum num local onde o mais perto de cultura que se tinha era o tráfico.
Aos 18 entrei para a marinha e lá fiquei por quinze longos anos. Lutei no exterior em missões de paz. Lutei contra criminosos e ajudei a pacificar zonas inimigas.
Não era fácil, no entanto voltar ao mercado de trabalho depois da dispensa ainda mais quando esta foi por causas psiquiátricas.
Me senti inútil, tinha um monte de medalhas, mas voltava a ser somente um peso para minha mãe que perto de completar 60 anos ainda não tinha conseguido trabalhar, mesmo tendo trabalhado desde os 13.
Naquele instante da minha vida eu me sentia um fracassado. Voltei para a casa ciente que tinha acabado o sonho e a realidade me trouxera a merda de onde eu sai.
Passei uma semana me punindo. Me sentia o pior de todos os fracassados, mal tinha fome, pensei em dois momentos até mesmo em me matar.
Foi quando um amigo da marinha me ligou e disse que tinha me arrumado um emprego como segurança num banco no centro.
Senti a vida voltar a bater dentro de mim. No outro dia acordei as 4h da manhã e sai rumo a agência.
Queria impressionar com minha pontualidade e para isso somente acordando muito cedo para que os trens e ônibus não me atrapalhassem.
Depois de quatro ônibus e um trem cheguei ao meu local de serviço. Entrei e me identifiquei. Uma balconista me mostrou a porta onde ficava o vestiário dos seguranças. Fui ali dentro, me troquei. Quando peguei minha arma de serviço uma voz forte anunciava um assalto.
Tentei fugir dali, mas meu instinto militar falou mais alto e eu retornei.
Esperei um dos assaltantes entrar no vestiário dos seguranças. E quando um deles assim o fez atirei nele, peguei sua arma e o tomei como meu refém.
Mas quando sai para o saguão disposto a tentar matar os demais usando seu aliado como escudo. O líder deles simplesmente atirou no parceiro que eu já havia ferido e nesse instante me vi cercado por cinco fuzis semiautomáticos.
Me rendi e logo fui chutado dezenas de vezes. Fiquei desacordado e quando recobrei os sentidos mal conseguia me virar, provavelmente tinham quebrado minhas costelas nos vários chutes que me deram.
Sentia me fraco e confesso que ali meu medo era enorme. Os policiais já estavam negociando e a situação ficou crítica quando outro segurança foi morto diante da porta principal.
O cara foi cravado de balas. Os bandidos não estavam para brincadeira. Exigiam a libertação do líder de uma das maiores facções criminosas do país ou se não iriam nos matar.
E todos sabiam que eu seria o próximo.
Naquele instante com a vida por um fio eu sabia que não tinha muito tempo. Comecei a pensar numa maneira de salvar me sem que ninguém mais fosse ferido.
Tinha poucas alternativas, mas num lampejo de coragem ou de adrenalina maluca, um dos bandidos se aproximou de mim disposto a me dar mais alguns chutes, nesse instante agarrei sua perna e com as forças que eu tinha consegui derruba-lo e tomar uma pistola que ele tinha no coldre da perna.
Meu instinto tomou o controle dali em diante. O treinamento de um fuzileiro consiste em treinar tanto que quando a hora do combate chega o soldado sabe como agir.
Dei um tiro no cara de quem eu roubei a pistola e corri rumo a porta. Estava cheia de explosivos e eu num ato de pura coragem atirei ali. A explosão me jogou para trás, meus ouvidos estavam com um chiado muito alto, eu caí no chão.
Atrás de mim pude ver os criminosos atirando, a minha frente o fogo e eu ali parado com a mente parecendo uma gelatina.
Quando olhei no alto do prédio e vi um grupo de snipers posicionados. Tive uma ideia, decidi provoca-los e tirar eles dali. Queria que viessem até bem perto de mim para os atiradores abate-los
Comecei a disparar a pistola até acabar as balas, fui alvejado nesse processo várias vezes. Sentia meu sangue esvair se.
Tudo fazia sentido na minha cabeça. Quando eles vissem eu ali quase inerte viriam terminar o serviço dando uma bala na minha cabeça. E foi assim que aconteceu. Eles não perceberam os homens no alto do prédio próximo e vieram três terminar de me matar. Os outros que sobraram ameaçaram os reféns, mas eram poucos e agora a negociação tinha mudado. A tropa de choque tinha entrado e foi questão de minutos até todos se renderem.
Eu fui salvo, tinha sobrevivido somente por que Deus quis. Beirei a morte muitas vezes, mas em nenhuma eu fora tão imprudente.
Queria impressionar e realmente esperava ter conseguido. O banco não foi roubado, nenhum refém ferido. E bandidos morreram.
Era algo que para mim poderia ser descrito como um dia bom. Apesar da perna cheia de platina, dos drenos no estômago e pulmão e de estar com dor até mesmo por existir esbocei um sorriso assim que recobrei a consciência no CTI de algum hospital público.
Ao meu lado não havia nenhum parente ou médico. Apenas um militar de alta patente. Um homem que ao me ver apenas sorriu e disse:
_ Parabéns por sua ação soldado! Vejo que um homem treinado sempre é um homem treinado!
Quando se recuperar eu tenho uma proposta a te fazer. Se quiser um emprego de verdade o governo irá lhe trazer uma ótima proposta. Me procure.
E deixou em minhas mãos um pequeno cartão com seu nome e telefone. Não dizia para quem trabalhava e muito menos que função exercia.
Demorou dois anos recebendo auxílio da previdência até que eu me recuperasse completamente. No dia em que eu voltei ao banco, no entanto, fui demitido! O gerente me agradeceu mas disseram que tinham contratado na minha ausência outro cara.
Voltei para casa frustrado, não teria dinheiro para nada naquele mês e para piorar minha irmã havia abandonado o marido e estava de volta a casa de nossa mãe também junto com 3 sobrinhos.
Decidi que como não tinha mais nada a perder, o homem do cartão poderia ser uma solução viável.
Mal sabia que dali em diante minha vida mudaria completamente e eu estaria completamente envolvido em proteger o país.
_ Olá! A proposta que me fez ainda está de pé?
_ Sim, venha me ver na padaria onde sua mãe trabalha como faxineira.
_ O que? Como assim? Como conhece minha mãe?
_ Venha me ver em trinta minutos e iremos conversar sobre o que estou te propondo.
Ao terminar essa conversa eu estava desconfiado e curioso. Mas decidi arriscar e fui. E a partir daí entrei para a organização.
E isso é tudo que você, caro leitor, pode saber sem que homens do governo venham tentar te matar.

Sons da noite

Caminhar a noite é uma experiência que sempre fascina. Os sons a noite são mais aguçados. É como se a ausência de luz tornasse tudo mais son...