segunda-feira, 2 de setembro de 2019

O Absurdo corriqueiro

Mais uma morte. Num beco sujo, cercada de lixo e ratos. Nada vai ser feito. É apenas mais um cadáver esperando para alimentar o cemitério.
Crianças pobres, prostitutas, mendigos... Todos os dias morrem centenas deles ao redor do mundo e ninguém se importa.
Os jornais já se cansaram da morte de gente pobre, não gera a menor audiência. As pessoas já estão amortizadas com a criminalidade crescente. Não dói mais. Não afeta mais. É apenas mais uma estatística.
Eu sei disso por que trabalho no serviço funerário, lido com essas pessoas em suas horas finais. Eu cavo lhes a cova e os coloco ali e vejo os depois de cinco anos, quando vou esvaziar as lápides para dar espaço aos que estão chegando.
Era tudo comum para mim até aquele dia. Abri o cemitério para mais um cortejo, mas não era para nenhum estranho. Minha filha tinha sido atingida por uma bala perdida enquanto voltava da escola.
Ana era apenas um lindo bebê com 3 anos de idade, que sonhava em ser bailarina.
Eu estava desesperado. Vivia no meio dos corpos a todo momento. Meu serviço como coveiro me dava uma certa armadura contra alterações fortes. Mas naquele momento eu só queria vingança.
Queria matar quem fez aquilo com minha pequena luz.
Foi fácil encontrar testemunhas após eu comprar uma arma. Tive acesso a diversos vídeos de segurança.
Os policiais do distrito tentaram me parar e quase me prenderam. Eu passei de vítima a procurado em cinco dias de investigações.
Dei um tiro no joelho de um detetive e fiz ele me contar tudo o que sabiam até então.
A balística não tinha sido feita, o exame forense menos ainda e tudo que havia eram fotos e testemunhas. Tudo por que o governador cortou a verba para investigações em prol da sua campanha para reeleição.
Fiquei irado ao saber daquilo. Abandonei o detetive no carro e num surto roubei uma moto e entrei dentro do palácio do governador.
Descarreguei a minha arma e a que eu roubei do detetive em todos os seguranças que ali estavam.
Encontrei a família do governador jantando e ele num escritório próximo falava ao telefone.
Veio correndo quando atirei no seu filho mais velho que tentou me impedir.
Depois eu atirei em sua esposa e por fim gastei a última bala na cabeça do governador.
Pensei que sentiria alívio. Mas fugi quando num vislumbre vi a imagem da minha filha e ela fugia de mim.
Fiquei perturbado ao ver o que tinha feito. Peguei um papel na sala e escrevi tudo o que consigo me lembrar. É uma tentativa de não ser ignorado. Não contarei quem me deu minha arma e nem mesmo contarei tudo o que fiz nesses últimos dias.
Mas quero que minha versão dos fatos apareça; Para que eu não seja apenas mais um no absurdo corriqueiro atual.


Sons da noite

Caminhar a noite é uma experiência que sempre fascina. Os sons a noite são mais aguçados. É como se a ausência de luz tornasse tudo mais son...