A
dor de um passado perdido
Amélia era uma
mulher que ganhava a vida fingindo ser uma cigana. Atendia em um pequeno
estabelecimento na cidade de Sumaré em São Paulo.
Tinha trinta
anos e já haviam passado por uma série de situações difíceis, seus pais tinham
morrido em um acidente de carro, sua avó tinha falecido de um ataque cardíaco e
ela morava com um tio, que já estava perto de morrer.
A filha desse
senhor era uma pilantra que roubava o próprio pai descaradamente, fazendo com
que a aposentadoria dele não durasse quase nada, enquanto ela aproveitava a
vida de bar em bar.
A jovem todos
os dias seguia para o seu emprego, o disfarce de madame Sorah tinha sido
forjado por um amigo que espalhou um boato que ela tinha poderes místicos, e a
partir dos primeiros clientes a farsa foi sendo aprimorada.
Até o ponto em
que ela tinha três clientes por dia, cobrando quase cem reais de cada uma para
falar coisas sem sentido, profecias de cunho duvidoso que sempre deixavam as
clientes, mulheres ricas e crédulas, felizes que teriam o amor verdadeiro.
Mas algo tinha
dado errado, o esquema tinha sido descoberto e quando ela chegou ao ponto
alugado encontrou a polícia com várias viaturas. Pensou em correr, mas ficaria
pior acabou passando ao largo e foi detida, quando seu sócio no esquema
criminoso lhe denunciou para os policiais, quando ela passava.
Um pesadelo que não acaba
A noite na
cadeia foi horrível, os gritos das presas dentro das celas era aterrador.
Amélia estava numa cela especial, na triagem e no outro dia iria para o
pavilhão 6 das ladras e estelionatárias, enquanto aguardava julgamento.
Naquela noite o
sono demorou a chegar, sua mente vagou por vários cenários até cair adormecida.
Mas o sono não trouxe a paz que seu corpo precisava, pelo contrário a levou
para um pesadelo de horror, onde seu corpo era queimado por demônios insanos.
E quanto mais
ela gritava, mais as chamas ardiam, os gritos dela na cela de triagem
assustaram as outras presas, tentaram acorda – la, mas não era possível, sua
mente estava presa dentro daquele cenário de horror.
As visões a
faziam gritar o tempo todo, foi levada para a enfermaria e lhe aplicaram um
sedativo forte, mas erraram a dose e ela acabou tendo um acidente vascular
cerebral que lhe deixou imóvel da cintura para baixo.
Quando acordou
quase um ano depois, não conseguia mover as pernas, tinha uma longa cicatriz
próxima à virilha.
Ela tentou
gritar, mas sua garganta não conseguia produzir sons altos, estava em um
hospital psiquiátrico, com um diagnóstico de colapso mental severo.
Visões de
eventos que haviam ocorrido com ela, iam e vinham em sua mente, se lembrava do
estupro que havia sofrido no hospital da cadeia, por um enfermeiro, que tinha
conseguido com uns amigos no hospital para onde ela tinha sido transferida, que
a criança fosse retirada com sete meses e levada.
Ela chorava
lágrimas de pura dor, o ar não preenchia os pulmões, quando viu um enfermeiro
chegando para lhe aplicar os remédios.
Quando ele
chegou, pensou que ela ainda estava dormindo e tentou acariciar seus seios
dizendo obscenidades. Mas sem que ele percebesse a mão direita dela foi até o
carrinho e pegou um pequeno bisturi que estava ali para pequenas suturas e sem
pensar duas vezes acertou ele na virilha.
O homem ficou
sem voz, tentava gritar, mas a dor dos testículos lacerados pela pequena lâmina
era forte demais.
Ela pulou da
cama e foi se arrastando até uma cadeira de rodas. Ia se matar, não aguentava
mais viver daquela forma, era como se tivesse entrado num pesadelo que não
acabava.
Conseguiu se
ajeitar em cima da cadeira de rodas e rapidamente foi andando pelos corredores.
Entrou no elevador de serviço e com alguma dificuldade apertou o botão para ir
até o terceiro andar.
O hospital
psiquiátrico na cidade onde ela estava era um antigo teatro reformado para
atender aos pacientes debilitados mentalmente, por um padre Jesuíta de nome
Albert de Lacroix desejoso de cuidar daquelas pobres almas desamparadas da
sociedade por volta de 1960.
O prédio tinha
sofrido diversas reformas, mas ainda mantinha as características do antigo
teatro, tendo três andares, com arcadas gregas e teto em abóbada com temas
religiosos pintados.
Sua estrutura
era toda projetada para dar um ar de aconchego e tranquilidade para quem ali
entrasse, mas quando Amélia chegou até o último andar e se viu defronte a
antiga sacada de onde os atores no passado chamavam as pessoas na rua para vir
assistir a peça, tinha apenas um objetivo: Se matar!
No último instante a salvação aparece.
Para aqueles que não acreditam em
milagre talvez essa parte seja deverás exagerada, mas enquanto Amélia dava as
últimas passadas para morrer, alguém lá embaixo já esperava por ela, um homem
vestido com simplicidade, apenas uma camisa branca longa, e calça jeans
simples, com um sapato surrado e um chapéu de palha que parecia destoar de todo
o visual dando a aparência de um caipira com algumas posses, tanto que enquanto
esperava olhando para os céus, algumas pessoas de mais idade que o viram
sentado num banco próximo ao hospital lhe cumprimentavam com o adjetivo:
Coronel, algo que ele não entendia, mas as respondia com toda a educação.
_ Vá com Deus, boa senhora!
_ Que Deus lhe abençoe meu bom
ancião.
As pessoas estranhavam a forma
culta de falar daquele homem, mas todas saiam com a impressão que ele era um
bom sujeito e no fim ficaram felizes por terem perdido alguns minutos para
cumprimentar ele.
No exato instante que Amélia
apareceu a face na frente do hospital, ele fez um gesto com as mãos e no mesmo
instante a cadeira que ia caindo levando para a morte aquela jovem mulher foi
parando no ar, até cair suavemente no pavimento do hospital pelo lado de fora.
O coração dela batia acelerado,
não acreditava que ainda estava viva e não entendia como as pessoas passavam
por ela quase encostando as suas pernas e não a viam, como se ela não
existisse.
_ Eu morri? Ela perguntou para
aquele homem que a carregava até um carro parado duas esquinas abaixo.
_ Você ainda
está viva, ganhou uma segunda chance para salvar o mundo e conseguir aquilo que
mais deseja.
_ E o que seria
isso que eu tanto desejo?
_ Paz. Ele
respondeu laconicamente e dos olhos dela começaram a sair lágrimas. Em nenhum
momento tentou reagir, estava sem entender tudo aquilo e aceitou passivamente
entrar no carro e ir com ele por uma estrada de terra.
Chegaram num
sítio na região de Guarulhos, um lugar afastado cercado por colinas com árvores
altas e frondosas.
O lugar era
afastado e parecia destoar de todo o resto da paisagem, quando o homem que
dirigia saiu do carro, lhe pegou no colo e a levou até uma cadeira na entrada,
onde havia uma criança brincando em um berço de palha, um menino lindo, moreno
de cabelos encaracolados e olhar doce.
Ao ver aquela
criança ela ficou feliz e levou a mão para toca – lo. No mesmo instante aquele
homem, veio do carro trazendo a cadeira de rodas.
Vejo que já conhece
seu filho não é Amélia? Ele disse sem o menor sinal de ironia ou sarcasmo. No
mesmo instante ela sentiu uma felicidade tão profunda que não sabia o que
explicar, com muito custo conseguiu pegar a criança e quando a teve em seus
braços, o leite em seus seios apareceu como que por puro instinto e ela deu seu
leite para o pequeno Jasão, nome registrado por uma criminosa que o tinha
conseguido do pai da criança a sete meses e desde então vinha tentando negocia –
lo com casais em redes de adoção ilegais pela internet.
_ Ainda quer se
matar, Amélia? Ele perguntou sorrindo.
_ Não, nunca,
jamais quero cometer uma loucura, agora que tenho-o para mim.
_ Que bom, você
ganhou uma segunda chance, cuide bem desse menino e não se preocupe em como irá
viver, o padre da cidade irá trazer comida e algum dinheiro para você, já está
tudo conversado.
E se
aproximando dela deixou uma pasta com vários documentos, seu nome agora é
Amanda Meirelles, a criança se chamará Frederico, tome os papéis e lembre se de
não ir muito longe daqui, existem pessoas que podem te matar para tentar
conseguir a criança, que no futuro será um grande cientista que criará a vacina
contra uma epidemia lançada daqui a vinte anos.
_ Que Deus te
proteja Amanda, aquele estranho homem disse e sumiu como num passe de mágica,
deixando o carro e a casa aos cuidados da mulher que daquele dia em diante
viveu feliz, isolada em meio as colinas, orando a Deus todos os dias pela graça
concedida a ela.
A história dela
terminará em um hospital, sessenta anos depois, sendo velada pelo filho, que
desde cedo demonstrou aptidão para biologia e um talento nato para tratar com
as pessoas.
Conseguiu uma
bolsa para estudar na melhor universidade de São Paulo e foi subindo os degraus
da academia até se tornar uma autoridade em matéria de infectologia.
Quando no ano
de 2018 o surto de Zika Vírus se tornou incontrolável, ele com quase cinquenta
anos dedicados a pesquisa de vírus e bactérias foi um dos responsáveis por
conseguir mapear o código genético da doença, criando um antídoto capaz de
quebrar as moléculas do vírus no corpo humano, permitindo que o sistema de
defesa eliminasse a doença ainda nos seus estágios iniciais.
Fred como era
conhecido pelos amigos, foi criado com amor e carinho por Amanda, é o fruto de
uma segunda chance dada por Deus a ela por meio de um emissário divino, o
guardião da linha do tempo: O agente Paradoxo.