Caminhar
pelo centro da Cidade de Goiás a noite é um convite ao pesadelo.
As
ruas mau iluminadas pela bruxuleante luz de antigos postes e as
fachadas imponentes das catedrais causam sensações aterrorizantes
em mentes sensíveis.
Eu
tinha saído do hotel as cinco da tarde para uma reunião na casa de
um deputado. Iriamos criar uma nova droga financiada pelo governo e a
comissão que aquele senhor presidia exigia dez por cento do contrato
para aprovar.
Consegui
negociar e reduzi a margem da propina para cinco por cento e o
restante em lucro direto pela venda da patente para o sistema público
de saúde.
Era
uma droga contra a nova febre que tinha se alastrado pelo nordeste e
já vinha matando milhares de pessoas todos os anos.
Sai
dali tarde da noite, me ofereceram carona, mas por algum motivo eu os
temi e decidi ir a pé.
Eram
poucas quadras que me separavam do hotel.
Do
alto das sacadas com cerâmicas portuguesas, plantas exuberantes
pareciam brilhar ao meu redor.
Quando
passei próximo a uma casa de paredes caiadas, com gárgulas na
porta, aconteceu algo inesperado.
Um
dos animais de pedra chamou meu nome:
João,
João! Um som profundo e desencarnado me paralisou e levou meus olhos
até os dois demônios de pedra.
No
mesmo instante uma das criaturas se levantou e começou a recitar um
poema.
_
Meu senhor morreu de peste.
_
Minha senhora de malária.
_
O filho de tristeza.
_
A filha fugiu para Cantuária.
_
Somos guardiões de uma mansão esquecida.
_
Olhamos pelos mortais e sua vida ensandecida.
_
Somos guardiões, de horríveis feições, mas pelo bem combatemos.
_
Tua alma está suja, hoje pelo Deus que há nos céus, iremos lhe
limpar!
E
quando terminou essa frase tocou na outra peça de mármore que
adquiriu vida.
Ao
ver aquilo as minhas pernas saíram da paralisia e mesmo tendo
defecado em minhas calças pelo medo, sai berrando a plenos pulmões.
Percebia
as luzes se acendendo enquanto eu corria até a exaustão.
Cai
exausto próximo ao rio vermelho, fora dos limites da cidade.
As
árvores emitiam um leve farfalhar com suas folhas e somente a lua
nos céus permitia me discernir o caminho por mim percorrido.
Minhas
roupas estavam fétidas, fezes escorriam pelas pernas. Eu estava mais
calmo, respirava profundamente e percebi que tudo deveria ter sido um
delírio, uma histeria frenética, causada pela aparência sinistra
da cidade a noite.
Caminhei
em direção a água para tentar me limpar um pouco e voltar pela
trilha, toquei a água do Rio e no mesmo instante senti uma pancada
nas costas que me empurrou para as águas.
Fiquei
desacordado por alguns segundos e acordei assustado enquanto lutava
para voltar a superfície.
Gritei
pedindo socorro, estava sem forças, até que uma patrulha da polícia
ouviu meus gritos e tirou me quase inerte da água.
Quando
recuperei a consciência no hospital, decidi que iria me limpar. Não
queria ser perseguido por aquelas horrendas aberrações.
Contei
tudo para o senhor delegado, tanto da minha experiência
sobrenatural, quanto dos esquemas de corrupção que envolvem a
assembleia estadual e o governador.
Peço
somente que eu fique preso aqui para escapar daquelas malditas
criaturas.
Esse
foi o depoimento do homem, os documentos dele nos mostraram que era o
chefe do departamento de ciência médica da universidade estadual,
no seu celular encontramos as provas necessárias para levar a
condenação das autoridades.
No
entanto é preso informar a autoridade judicial que a testemunha
acabou cometendo suicídio.
Os
peritos analisaram a cena e constataram que ele praticou tal ato em
um surto histérico.
Outros
detentos no mesmo pavilhão disseram que ele gritava frases sem
sentido, pedindo para que algo se afastasse.
No
demais está em anexo todos os laudos e depoimentos feitos durante a
investigação.
Dr.
Marcos Almir Fernandes.
Delegado
chefe da cidade de Goiás.