quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Como encontrar a vida?

 Haveria sempre uma nova história, era isso que vivia dizendo para si mesmo todas as vezes que estava quase desistindo de escrever. Afinal era com isso que pagava suas contas, suas histórias de intrigas e amores perdidos sempre fascinaram as leitoras jovens e famintas por qualquer pedaço de amor, mesmo que falso, ninguém se importava com isso, só queriam algumas histórias que fossem melhores que suas vidas de merda e lhes dessem esperança que um dia encontrariam um marido, alguém para quem dedicariam seu tempo e amor sem receber lá muita coisa em troca.
       Nunca tinha se apaixonado e passou a vida toda escrevendo sobre amor em um blog na internet e depois de um certo tempo seus textos alcançaram um sucesso tão estrondoso que logo ela estava entre as escritoras mais lidas do país e entre uma das mais lidas do mundo, sua página saia constantemente fora do ar devido ao enorme número de acessos.
      O sucesso tinha batido em sua porta e não havia tempo para mais nada além de escrever, um passatempo que tinha começado a lhe render alguns trabalhos, que logo crescerão, crescerão, até não haver mais tempo para nada além de escrever.
      Não precisava mudar nada: A fórmula era a mesma das antigas novelas que não passavam mais, tinha muito amor, doses controladas de traição e um pouco de humor, permeados em lugares num passado não tão distante, mas que depois da guerra e de tanta desgraça, parecia estar a séculos daquela realidade, onde ela se encontrava.
        Seu pai era um soldado que morreu no fronte da federação russa em um campo de prisioneiros há muito tempo, ela nunca viu o rosto dele há não ser pelas fotos espalhadas pela casa e pela carta que ele tinha escrito para sua mãe, ela era só um bebê quando ele foi chamado para ajudar na batalha e acabou falecendo ao tentar defender um vilarejo no território onde antigamente ficava a Polônia e que hoje não passa de uma terra arrasada, inóspita e desolada, tudo ali foi reduzido a pó quando do céu foram lançados gases que destruiram a atmosfera e que se espalharam por todo o continente Europeu, várias regiões foram devastadas e por causa disso todos viviam em cúpulas de vidro, redomas onde tudo era controlado pelo bem de todos.
           Mas para Irina nada daquilo importava, ela só queria escrever seus textos, pois tinha tido aprovação da comissão de controle e várias editoras estavam dispostas a pagar muitos créditos pelas histórias que ela escrevia, tudo estava indo bem, até que durante uma das raras visitas que ela fazia a mãe pela rede neural, para matar a saudade, um hacker redirecionou a realidade aumentada para leva - lá a um ambiente virtual novo, um mundo completamente diferente.
             Eles estavam numa antiga inteligência artificial, em tese todas tinham sido destruídas pela guerra cibernética entre os EUA e a China em 2053, mas ainda tinha gente que propagava que ainda existiam algumas dessas realidades alternativas que funcionavam em locais completamente longe do controle da censura e que portanto eram bastante caçados pelos funcionários do partido, que vasculhavam toda a antiga rede a procura de qualquer vestígio que pudesse indicar a presença de subversivos, que no geral eram condenados a morte, desligados da internet e seus corpos quando encontrados eram mostrados em rede espacial em espetáculos pavorosos de medo e horror.
Ela não sabia onde tinha parado, não sabia que lugar era aquele, tudo ali parecia emular uma sala de uma antiga casa, que tinha lido em alguns livros digitais durante suas horas de folga através de um pequeno implante de realidade aumentada que lhe dava conexão direta com a rede com a necessidade somente de colocar um par de óculos conectados via wireless com a tomada para manter os níveis de saúde altos e avisar a hora de voltar para sua bela casa na Federação Americana. Não havia como ser a casa virtual de sua mãe, que tinha se tornado uma Inteligência artificial após se cansar da vida, aos oitenta anos, sua cabeça foi esvaziada e ela se tornou um programa de computador com alguma consciência que tinha de sua mãe somente uma casca 3D e algumas memórias, bem selecionadas pelos técnicos para não causar nenhum problema de código. De repente ela escuta uma voz estranha e num sofá em um canto aparece uma figura vestida com uma máscara de corvo, bem antiga e assustadora para aquela jovem.
_ Olá mocinha, seja bem vinda a minha casa, nos estamos na IA do Politburo, um lugar onde antes dos expurgos, grupos de intelectuais se reuniam para debater em várias linguas, mas isso tem tempo, muito tempo, quando ainda o passado era uma verdade real e direta e não um monte da baboseiras revestidas de uma sacralidade para as corporações que comandam as pessoas como marionetes idiotas.
_ Sinto que atrapalhei sua reunião familiar, mas sou seu fã e não posso aparecer sempre na rede, gosto de suas repetições históricas, que trazem um pouco de amor para as pessoas e as fazem ter esperança, no fim é tudo que precisam essas pobres almas escravizadas!
_ Do que você está falando? Quem é você e por que está me contando tudo isso? Como vim parar aqui e como você sabe tanto sobre história antiga que nada consta nos livros?
_ És por um acaso uma escritora de histórias de amor, ou uma investigadora? Ele disse isso e com um tom de pilhéria, começou a rir de si mesmo em alto tom, ria e se debatia no chão como se tivesse dito algo deverás muito engraçado, mas por fim percebendo que ela estava olhando para ele como quem está diante de um louco ou algo parecido se recolocou em pé e disse:
_ Você é uma marionete para o governo e eu sou apenas um cara que gosta de tentar salvar alguns que estão dentro das ratoeiras, ou redomas de proteção, como você que provavelmente nunca saiu de dentro da cidade, nunca foi para os níveis mais baixos, por medo, tudo que você tem é medo de sair as ruas, de ser você mesma.
_ E se quiser ter as outras perguntas respondidas, basta seguir o coelho até sua toca. E quando ele terminou de dizer aquelas palavras tudo sumiu e ela foi levada para o caminho certo e passou o resto da tarde conversando com sua mãe pela realidade virtual, não contou quase nada do ocorrido mas era evidente que aquele encontro com o corvo tinha deixado sua mente inquieta, perturbando um pouco sua paz. Teria alguma chance de sermos todos um monte de marionetes dançando nas mãos de alguém maior? Ou fora vítima como tantos outros de ataques de hackers que tinham objetivos apenas confundir as mentes e deixar as pessoas prontas para um ataque de vírus nas neuroconexões tornando os indivíduos em zumbis prontos para cometer ataques terroristas.
E as semanas passaram e aquele encontro continuou em sua mente, martelando a todo momento e até atrapalhando a escrever suas obras, por fim não aguentou mais e resolveu pesquisar sobre coelho e toca que eram as palavras que haviam mais lhe marcado em toda aquela conversa.
Ao por aquelas palavras na rede, caiu em um site que vendia obras antigas digitais com o símbolo de aprovação do ministério, se chamava Alice No País das Maravilhas e estava em desconto naquele dia.
Ela comprou um exemplar e começou a ler página atrás de página, afim de entender como aquelas palavras se encaixavam no contexto daquele encontro todo.
A história de uma menina que cai num buraco e passa por um monte de aventuras tentando voltar para casa e tudo que a personagem passava ia lhe lembrando seu passado em Londres, lembranças que até então estavam guardadas nos porões de sua mente voltaram e durante a leitura teve que parar por várias vezes, enxugando os olhos da lágrimas que lhe surgiam a fronte.
No fim da história quando já estava na contra - capa, eis que aparece uma pequena mensagem, um rabisco digital feito online, provavelmente pela mesma pessoa que lhe tinha abduzido, "_ Vamos pequena Alice eu estou atrasado". Ficou em pânico ao ver o tamanho do poder desse hacker e realmente pensou em contar tudo para alguém: Mas em quem confiaria isso? Seu editor, era a única pessoa que conhecia nesses seis anos, mal tivera tempo de sair daquela redoma que era seu quarto..
O medo a fez colocar na rede uma pesquisa sobre se havia algo na rede relativo aquela história, e logo apareceu um antigo antiquário no primeiro nível na cidade que tinha um quadro sobre o coelho branco e Alice, que tinha entrado em promoção há dois dias atrás e no site de anúncios tinha um endereço e número de IP para entrar em contato com o vendedor.
Sentindo as tripas se remexendo, ela sabia que se ligasse aquela mesma voz iria atende - la e chamar ela para ir no primeiro nível da cidade, tudo era tão irreal que nem parecia ser um dia comum, parecia que ela tinha entrado nas páginas de um escritor que dançava com sua mente numa aventura sem fim.

Não se lembrava de como havia saído de casa e nem de como tinha entrado dentro de um dos elevadores até o nível 1 e nem de como estava ali na frente da loja, parecia que sua cabeça tinha assumido um comando de automático e ela tinha feito várias ações sem saber de nada.
Estava parada analisando o lugar, uma loja antiga com a frente toda destruída, estava a sua frente, um lugar cercado por bares e com um fedor que lembrava muito a um esgoto, porém considerando que nenhuma das pessoas que olhavam para ela parecia tomar banho há muito tempo isso logo se explicava.
Rapidamente dois homens surgiram de um beco, correndo, brandindo paus com o intuito de dar uma surra naquela jovem que tinha ido ali, as pessoas do nível 1 tinham medo dos níveis superiores pois muitos ricos vinham até ali para fazer caçada humana, dizimando qualquer pessoa que tivesse o azar de não estar dentro de casa naquele exato momento.
Tudo ocorreu rápido demais, num instante estava parada ali com medo de morrer gritando por todo seu corpo e no outro estava voando puxada por um braço em um gancho que estava fazendo a subir muito alto, deixando a ver toda a miséria que tinha aquele nível.
De cima o lugar era assustador mais até do que lá embaixo, onde os ogros ainda estavam gritando xingamentos para ela em um idioma que parecia hostil, apesar dela não entender nenhuma palavra do que eles diziam.
Quando a corda chegou ao seu destino, estava diante de uma pessoa com aparência de jovem, vestindo a mesma máscara de corvo que tanto tinha lhe dado medo naquela viagem pela rede, no entanto aquela figura ali ao seu lado parecia ser bem mais acolhedora, do que os monstros lá fora, por isso meio que sem jeito ela agradeceu por ter lhe salvo a vida, mas tudo que recebeu foi um aceno de cabeça e um pedido para que seguisse até um local onde estariam seguros naquele nível da cidade.
As passagens por onde foram caminhando estavam cercadas de lugares escuros e a cada passo eles pareciam afundar em um novo mundo, cheio de cenas horríveis, um mundo que parecia estar apodrecendo de dentro para fora, num envenenamento contínuo e progressivo que dava medo.
Chegaram por fim a um lugar fora da redoma, uma selva mutagênica, um local onde tudo parecia fora do padrão, como na história de Alice onde ao cair ela se depara com um novo mundo, era assim que Ivana se sentia ao olhar para tudo aquilo.
_ Você me perguntou quem eu era? Bem, eu sou sua mãe! E tirou o capuz que cobria seu rosto e no mesmo instante apareceu o rosto de uma dróide de um modelo bem antigo, provavelmente descartado, há muitos anos atrás.
_ E antes que duvide, eu sei que você tem uma tatuagem no ombro, que é o nome do seu pai, feita sem meu consentimento e no dia que soube tivemos nossa primeira briga e você começou a escrever suas histórias.
_ Mãe! Como a senhora está aqui? Eu conversei com você naquela IA, há duas semanas atrás?
_ Você conversou com a versão de apresentação, eu fui descartada e só escapei ao encontrar um depósito de robôs para onde transferi minha consciência e onde consegui descobrir toda a verdade sobre seu pai: Ele ainda está vivo trabalhando para o partido no sul da federação Americana em um projeto experimental em regime de escravidão.
E ao terminar de dizer essas palavras tirou de um bolso da túnica um pequeno disco de mensagem holográfica onde pela primeira vez em toda sua vida pode ver como era seu pai:
Na mensagem ele dizia:
_ Amor a verdade está chegando, a fonte da vida pode ser achada, encontre nossa filha, vá para a porta do sol eterno!
Ela ficou parada, admirando aquele holograma, que tinha a imagem do seu pai! Quantas vezes sonhará com aquele rosto e agora ele estava ali a sua frente!
Somente quando sua mãe deu lhe uma sacudida que ela despertou, precisavam fugir dali até a aldeia dos libertos, um lugar onde poderiam conseguir alguma ajuda, se ainda tivessem tempo para encontrar a mensagem.

Será que tudo era real? Ou estaria sonhando? Será que aquele rosto era mesmo do seu pai? Ou tudo não passava de uma mera imaginação, como saber o que seria essa fonte e quem era realmente aquela máquina que estava guiando a por aquele caminho.

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