terça-feira, 18 de novembro de 2014

O fim do contador de histórias e a lenda do saci!

_ Estou aqui nesse hospital! Descobri que tenho câncer no pulmão! Sei que você vai pagar uma enfermeira para ficar aqui comigo, por que não pode vir, quando estive ai, os teus filhos me contaram que sua esposa destruiu um dos livros que dei para eles.
_ Desde então fiquei muito infeliz e quase desisti de escrever, mas as crianças estavam me enviando tantos emails! Que resolvi mandar para elas uma última história, que está no meu livro, uma história para dar a elas um pouco de felicidade.
_ Seja mais pai dos teus filhos! Defenda a mente deles! Honre o compromisso que fizeste comigo de estar sempre ao lado dos teus filhos!
_ Como eu sei que é bem provável que tu irás ler esta antes dos meninos já aviso, isso aconteceu sim! No dia em que você nasceu!

Essa história para o pai de vocês pode parecer estranha por que tanto eu quanto sua avó, meninos nunca contamos nada a respeito para ele! Era noite de quinta feira e eu tinha levado a mãe de seu pai para um forró, ela adorava dançar! Mesmo grávida gostava de ir toda quinta feira para relaxar a cabeça! Que saudade ainda tenho dela!  

Naquele tempo eu já tinha entrado para a polícia e quinta – feira era meu dia de folga, íamos sempre passear um pouco, mas naquela noite ela quis ir ao parque ver o córrego, ela era uma mulher bem estranha que parecia sentir a natureza, seu pai foi nosso segundo filho, a primeira nasceu morta! Lembro-me que na época em que soube da gravidez de minha esposa novamente após esse primeiro aborto quase saltei de alegria e passei a proteger ela mais do que era necessário!

Nós fomos ao parque, e eu consegui pedindo com muito jeito e educação para o vigilante que me deixasse entrar, contei a ele toda a história e ele por fim acabou deixando! Mas antes de fechar a cancela e voltar ao seu posto gritou: Cuidado com o saci próximo a nascente. Naquela época o avô de vocês era um homem religioso, naquela época eu nada acreditava em mitos e histórias tal como sua mãe!

Mas aquela foi minha primeira experiência com esse mundo, atravessamos o parque no meu velho jipe! Aquele mesmo que estava na fazenda do seu tio quando foram lá, há uns seis meses atrás! Cheguei até bem próximo e fui à frente guiando com excessivo cuidado sua avó, na verdade só não a carreguei nos braços e levei a até a nascente por que ela era durona e muito decidida e eu teria tomado um belo tapa na cara para acordar!

Ela foi reclamando do meu excesso de atenção, mas por fim chegamos ao local e nos sentamos em um banco velho! Onde há seis anos eu tinha pedido ela em namoro!

Confesso que me lembrar desse fato ocorrido há tanto tempo quase me fez borrar o papel com uma lágrima! Naquele dia fiz uma nova declaração de amor para ela e ficamos ali abraçados vendo o luar!

Ela dormiu ali e eu fiquei pensando no futuro! Fazendo planos e pensando simplesmente! Quando escutei uma voz:
_ Por que não dorme igual a ela? Por que não sabe aproveitar a vida?
Quando me viro, vejo um menino pequeno, um garotinho vestido com trapos marrons, com um gorro esquisito, não notei sua perna amputada, mas reparei fundo no cachimbo que carregava na boca. Como era policial na época tentei argumentar que ele largasse aquilo, para poder ter um futuro melhor, que drogas não levavam a nada e que ele poderia conseguir ser alguém melhor, não importava o que dissessem sobre ele! Confesso que fiquei tão preocupado que não vi mais o garoto que descrevi acima, mas um filho meu! Falei as palavras pondo meu coração nelas, colocando sentimento e verdade em cada olhar, gesto e por fim parei e fiquei olhando para ele enquanto minha esposa dormia tranqüila, seu rosto brilhava na luz do luar!

O garoto respondeu: _ Obrigado por se preocupar comigo! Obrigado por não ter medo! Você foi bom comigo! E eu resolvi te dar um presente e tirou o gorro da cabeça carregou a mão com um pó e jogou sobre mim!
_ Você tem bom coração e por isso merece ver o mundo todo! E saiu num redemoinho rápido como a noite! Como sua avó gostou de poder conversar com os pássaros, olhar o mundo pela lenda! Ela até cursou uma faculdade de história e terminou seus setenta e nove anos contando histórias! Morreu de infarto numa aula da faculdade onde ministrava uma palestra sobre lendas e mitos!

Eu desde aquele instante eu pude ver o quanto o mundo era maior! Daquele dia em diante passei a ver as histórias, as lendas, passei a juntar esses relatos e contar para a avó de vocês, como ela gostava! Fiquei ao lado dela até morrer! Fiquei ali no hospital vendo ela em coma depois de um AVC e fiquei ali contando para ela todas as histórias. Seu pai não veio nem ver ela, estava ocupado demais na faculdade de medicina se tornando alguém melhor do que nós!

Vejo um redemoinho se aproximando, mesmo sabendo que estou alto demais para ficar vendo essas coisas, sei que ele está chegando, meu amigo Saci! Tem tanto tempo que não o vejo! Espero que ele esteja bem! Não é um moleque endiabrado como contam todos! Só é alguém que nunca teve a chance de mostrar seu lado bom! Um garoto feliz e brincalhão que merecia melhor lugar.

Esse foi o último relato que nosso avô mandou para eu e minha irmã, pouco antes de sumir do hospital! Meu pai enlouqueceu pela culpa e expulsou minha mãe de casa, saiu correndo pelo mundo, mas nunca encontrou meu avô, a polícia foi chamada e nada foi encontrado, muitos disseram ter visto um casal de velhinhos na beira da nascente na noite de lua cheia que fica falando palavras de amor a luz do luar! Acredito que ali estão eles novamente unidos! Novamente trocando juras de amor. Meu Avô lutou tanto para que eu e minha irmã fossemos pessoas melhores com suas histórias tão bonitas e cheias de significado que publicar os papéis dele é uma honra e uma forma de ter ele de volta sentando-nos em seu colo duro para contar às histórias que colheu nas andanças que teve nesse Brasil.

Obrigado ao vento por me ensinar a cantar
Obrigado a lua por me fazer te amar
O cantador canta a vida no improviso
Mas não pode cantar o medo e o paraíso

Viver é uma arte que me recuso abandonar
Pois para onde olhar a noite sempre há um belo luar
Não sou cantador de verdade, sou apenas um olhador
Que de quando em quando gosta de cantar para uma flor

As histórias que narro saem do meu coração
Saem das ruas, das calçadas, da floresta e do morrão
Saem para compor uma valsa e formar essa canção

Saem por que gosto tanto de lendas que elas vivem no meu coração

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