Viver.
É
estranho ver alguém que está a caminho da forca escrever uma carta
final para a família, um bilhete de despedida de um mentiroso a
beira da morte.
Essa
história começa com o meu recrutamento para o centro de
inteligência da OTAN, como parte de um programa para a formação de
novos agentes de espionagem.
Na
época eu era apenas um consultor de história do museu da cidade de
São Francisco e um amigo me deu a dica, era um colega do tempo da
faculdade que tinha conseguido um cargo menor na secretária da OTAN
em Boston.
Eu
estava de férias e vi nesse teste algo divertido, não me dei conta
do por que estavam realizando essa seleção.
Lembro
que na época eu queria apenas me divertir um pouco e levei tudo como
uma competição, passei em cada um dos testes apenas por instinto de
pura competição e acabei ficando em primeiro lugar.
Após
a competição comecei a ser treinado em espionagem, meu cérebro foi
infectado por uma bactéria nanotecnológica controlada remotamente
que poderia ser acionada por satélite caso eu fosse capturado e por
incrível que pareça eu ainda não virei um vegetal, o que significa
que eu estou em uma prisão no subsolo, protegida dos satélites que
povoam os céus.
Mas
acho que avancei um pouco no meu relato, meus primeiros trabalhos
para a OTAN, foi no papel de espião na Síria, trabalhava disfarçado
de médico da cruz vermelha, enquanto enviava dados sobre a posição
das tropas do governo para a organização que as repassava para os
rebeldes.
Consegui
alguns êxitos e tudo parecia estar bem, até que outra agente me
contatou, tinha fugido de um campo de escravas do ISIS e estava
ferida, precisava de ajuda urgente.
Consegui
um motorista que pegou ela nas ruínas de uma pequena vila, o trajeto
de volta parecia estar perfeito, quando fomos avistados por um
comboio de jipes cheios de terroristas, estavam numa colina próxima
e logo que ela os viu começou a gritar pedindo para o motorista
acelerar o carro, não entendi o por que daquele medo, eles pareciam
estar longe, mas se aproximaram em instantes de nossa posição,
pareciam se fundir a areia e em menos de dez minutos já estavam
encostados no nosso carro.
Eu
tinha comigo apenas uma pistola e dez carregadores, comecei a atirar
seguidamente, não acertei nada.
A
agente que eu salvei parecia balbuciar com medo estampado na voz,
hassassin, hassassin...
Repetidas
vezes, logo eles atiraram nos pneus e a partir daí não me lembro de
mais nada.
Acordei
numa cela, tinha pontos no meu crânio e tudo parecia estar girando,
minha vista estava turva e mal conseguia pensar direito, depois de
algum tempo é que consegui ficar em pé.
As
paredes do local, eram parecidas com os bunkers que os soviéticos
construíram na região, anos atrás, e que muitos consideravam como
um mito, visto que somente um desses foi encontrado após o fim da
guerra fria.
Uma
luz no teto brilhava fraca, tudo ali parecia com um quarto normal,
numa vasilha tinha água e num pequeno armário, uma muda de roupa,
um pequeno banheiro estava anexo ao meu quarto.
Todo
dia, eu recebia comida por uma porta, e a noite a vasilha de água
era reabastecida, e uma nova muda de roupas era posta para mim no
armário. Não conseguia ouvir ninguém e até duvidei da minha
sanidade por algum tempo, mas resolvi não pensar a respeito, comecei
a fazer exercícios físicos para passar o tempo e não surtar, e ao
longo dos dias consegui fazer uma sequência de mil abdominais
Até
que uma noite eu acordei e tinha um caderno aberto e um lápis em
cima, e numa das páginas estava escrito, despeça se de sua família
pois logo você irá morrer.
Escrevo
essas palavras, dizendo que eu amo a todos vocês, e de onde eu
estiver, estarei com seus rostos em meu pensamento.
Dia
1 .
Tudo
parece meio insano, mas eu ainda estou vivo, as portas da prisão se
abriram e não encontrei ninguém ali dentro.
Caminhei
pelos corredores do bunker e tudo parecia deserto, as luzes se
apagavam conforme eu ia avançando, junto a porta principal que
estava aberta, encontrei minha arma, carregada e limpa e uma mochila,
contendo uma jaqueta e um pequeno suprimento de ração de água.
Eu
rapidamente peguei aqueles itens e sai dali o mais rápido possível,
quando eu estava há uns vinte passos, ousei olhar para trás e nada
mais existia além da areia do deserto.
Caminhei
por várias horas, duvidando de minha sanidade, segui margeando as
ruínas de um antigo templo, até chegar a uma vila saqueada pelos
homens do estado islâmico.
Estava
anoitecendo e eu tive de entrar, por que no deserto a noite é comum
tempestades de areia que podem mudar todo o relevo e engolir espaços
inteiros.
O
local estava cheio de corpos, moscas pareciam dominar os poucos
prédios ainda em pé, não consegui ver o motivo para isso até o
dia seguinte.
Me
deitei em um dos poucos prédios e ali passei a noite, exausto. Só
no dia seguinte me dei conta que ali haviam corpos de combatentes do
ISIS que haviam sido fatiados, e tudo parecia ser bem recente, visto
que os corpos ainda não estavam em estado avançado de decomposição,
era possível ver que em vários corpos haviam cortes precisos, como
se a carne tivesse sido dilacerada por um instrumento cirúrgico.
E
nenhuma munição tinha sido disparada, qualquer fosse o inimigo que
os atacou o fez com tal precisão que não deu a menor chance para
defesa.
Fiquei
impressionado, mas não tive muito tempo para pensar, a fome começava
a pressionar e toda minha mente estava a procura de comida.
Comecei
a vasculhar os depósitos do que me pareceu ser o arsenal daquele
grupo, quando escutei ao longe um barulho de carros se aproximando,
logo estava cercado por tropas do exército iraquiano a caminho da
embaixada americana.
De
algum modo eu tinha atravessado a fronteira entre a Síria e o Iraque
e havia chegado até o sítio arqueológico de Palmira, onde os
extremistas mantinham uma base avançada de onde partiam para atacar
Mossul e outras cidades no Iraque.
No
caminho o comandante da tropa, me perguntou quem eu era e como havia
parado ali, me identifiquei como sendo médico a serviço da cruz
vermelha que havia sido sequestrado próximo a Damasco dias atrás.
Ele
me olhou meio desconfiado e só então perguntou:
_
O que aconteceu duas noites atrás naquele lugar? Uma grande luz foi
avistada quilômetros dali, e agora que fomos até lá vemos tudo
destruído e só você escapou vivo, pode me explicar como isso é
possível?
_
Não sei dizer eu estava preso num local afastado dali e fui
caminhando até ali com alguma dificuldade, cheguei na noite passada
portanto não tenho como saber do fato.
A
minha resposta não deixou satisfeito ao militar, mas ele apenas se
calou, pude reparar no entanto que a todo momento não perdia nenhum
dos meus movimentos de vista nem me deixava sem escolta.
Cheguei
em Bagdá seis horas após e logo fui levado para a prisão, me derão
água e comida e me puseram numa cela minúscula, pelo menos não me
tiraram a mochila, onde surpreendentemente estavam o caderno e o
lápis com minha carta de despedida e rapidamente comecei a escrever
tudo que havia me acontecido em poucas palavras, na esperança de
ainda estar lúcido.
Dia
3
A
embaixada americana foi avisada no dia seguinte e logo enviou um
advogado que conseguiu me tirar da cadeia, logo fui levado ao prédio
da embaixada e para minha surpresa, um dos chefes do estado maior, o
General Charles Mac Taylor estava a minha espera.
Todos
os agentes tinham um implante em seus corpos e quando eu sumi do
radar eles ligaram o meu e o sinal passou a responder de outro
planeta, mas após quatro meses eu voltei a emitir sinal da Terra e
me tornei prioridade número de todas as agências dos EUA.
Só
que naquele momento eu não sabia de nada disso, não sabia que eles
tinham implantado uma bactéria nanotecnológica na minha cabeça que
não iria apagar meu eu como também destruir toda a vida na cidade
de Damasco caso os russos conseguissem vencer a guerra civil ao lado
do governo Sírio.
Eu
era o plano final e logo entenderia o por que da minha estranha
importância, quando após uma entrevista acabei indo parar num
interrogatório, onde fui afogado, espancado, eletrocutado, para
saber a quem eu havia passado informações, e não adiantou muito
dizer a verdade, eles não acreditaram em mim.
E
só piorou quando a bactéria dias depois foi encontrada nos EUA, no
sul da Califórnia iniciando um princípio de epidemia que logo se
alastraria por toda costa sul, atravessando rapidamente as fronteiras
e indo para o México e dali para o mundo todo, fui julgado por alta
traição e levado para uma penitenciária militar de segurança
máxima, não sei onde estão meus papéis e escrevo esse relato com
papel de pão e um pedaço de carvão que tem na minha cela, estou na
solitária, completamente isolado, toda semana aparece um soldado
mandando eu contar e oferecendo a liberdade total.
Numa
noite, fui tirado da cela por dois guardas e tive a real situação
do mundo, o globo todo estava infectado, o vírus que estava em mim
estava alterando toda a estrutura molecular da Terra, as pessoas
estavam se transformando, alguns perdiam estatura, outros ganhavam
força e resistência, alguns passavam a ter características
reptilianas, o mundo inteiro mudou, nada mais é como antes, o vírus
que estava em mim de algum modo foi retirado enquanto eu estava
naquele bunker no meio do deserto, eu fui salvo da morte na mão dos
jihadistas por alguém com poder e força para partir ao meio corpos,
eu fui abduzido! Para outra dimensão.
Lembro
que quando me levaram até a presença do presidente e tudo isso me
foi contado, senti como se minha cabeça fosse explodir a qualquer
momento. Sentia cada ponto no meu corpo pulsar em uma nova forma
diferente e alguns instantes depois eu estava brilhando, a luz que
meu corpo passou a emanar queimou minhas roupas e incinerou os corpos
ao meu redor.
As
correntes e algemas que me prendiam simplesmente derreteram, minha
pele estava emitindo ondas de radiação tão fortes que eu tinha me
tornado capaz de derreter uma parede com um só toque, nada fazia
muito sentido na minha cabeça.
No
mesmo instante um alarme soou em Houston no Texas, várias naves
foram vistas a caminho do planeta terra, ao que tudo indicava nosso
maior temor que por anos povoou a ficção científica estava prestes
a acontecer: Uma invasão alien estava a caminho.
Os
aliens chegaram em Melbourne na Austrália pouco tempo após o caso
da prisão, o colapso de todo o sistema de governos caíram e todo o
mundo se tornou uma perfeita anarquia.
O
poder das corporações em alguns locais foi o mais próximo de uma
ordem, Londres foi a primeira cidade a reviver, não mais como uma
monarquia parlamentar, mas como uma corporação fluindo na defesa
dos interesses daqueles que detinham o poder econômico.
A
Austrália estava completamente incomunicável, nenhum relato foi
transmitido do que estava acontecendo no novíssimo continente.
Mas
ninguém se importava, por que todos tinham problemas maiores, os
poucos humanos normais que ainda resistiam e tinham acesso as redes
sociais postavam relatos absurdos de verdadeiras guerras civis dentro
de cada cidade.
Alguns
dos maiores chefes de estado e até mesmo o sumo Pontífice tinham
problemas constantes com o gás que foi liberado e alterou toda a
estrutura dos seres humanos.
Relatos
de criaturas lendárias como dragões acordando no meio de florestas
perdidas no Sul da América se tornaram comuns e a área ao redor das
pirâmides começou a emitir estranhos brilhos, como se tivessem
começado a pulsar em uma frequência que aumentava a cada minuto.
O
medo e o pânico se espalharam quando vulcões começaram a explodir
e o planeta, começou a esfacelar e o clima enlouqueceu, todo o
sistema natural alterou se rapidamente, a vida do homo sapiens se
tornou impossível e somente os híbridos passaram a sobreviver.
Uma
nova era tinha começado e sobre os escombros da sociedade humana
novas histórias iriam começar, para o bem ou para o mal um novo
mundo tinha sido criado.
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