terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Três pedidos.



Sebastião era um garoto solitário. Vivia numa opulenta biblioteca que seu pai tinha. Sua saúde era precária, tinha contraído Tuberculose numa viagem que fizera as Índias com o pai, o navegador Bartolomeu da Gama.
Tinha ficado em Lisboa enquanto o pai partiu novamente rumo as Índias, financiada por mercadores ávidos por especiarias orientais.
O menino passava o dia imaginando histórias, lia com avidez contos fantásticos de cavalaria, com guerreiros ferozes que tinham os instintos altamente treinados ao ponto de farejar inimigos, ver longas distâncias e ouvir uma flecha sendo disparada.
Era fascinado pelas noveletas de cavalaria e o criado da família ia sempre ao mercado de livros em busca dessas obras.
Lisboa não vivia bons tempos, a fome havia transformado muitos homens em salteadores e numa dessas idas ao mercado, o empregado acabou sendo assaltado, correu atrás do ladrão e conseguiu alcança – lo, no entanto não recuperou o livro de seu senhor, apenas conseguiu tirar do bandido uma sacola, onde viu uma lâmpada, um item dos mouros, amaldiçoado pela igreja.
Temeu dar aquilo ao garoto, mas quando chegou e viu o olhar bravo daquele menino mimado temeu pelo seu emprego. Era mordomo da família há anos e não sabia se conseguiria outro emprego como aquele em tempos de crise.
Entregou o objeto ao garoto orando para São Sebastião de quem era devoto para não o mandar embora. O fascínio nos olhos do garoto era visível, logo ele saiu dali e correu para o quarto.
Pegou o livro Orlando Furioso e folheou as páginas até achar uma que tinha uma gravura de uma lâmpada mágica.
Viu num canto do livro que “ a lâmpada realiza todos os desejos, basta esfrega – la.”
O menino começou a esfregar a lâmpada, e está começou a sair uma fumaça mágica.
A fumaça ia aumentando na medida que ele friccionava o objeto, até que o gênio saiu do objeto e lhe deu direito a três desejos.
O menino ouviu a fala do gênio em sua mente, a criatura de corpo azulado e sem feições parecia se com uma fumaça de incenso que ardia nas igrejas, só que em proporções que lembravam um corpo humano.
O garoto nem pensou duas vezes, desejou que todos os cidadãos de Lisboa fossem como os heróis de cavalaria, com visão, audição e olfato perfeitos.
O gênio respondeu em sua mente: Está feito. O segundo pedido ele gastou pedindo a volta da sua saúde.
No mesmo instante estava recuperado totalmente. O terceiro pedido foi para ir até onde o pai estava naquele momento.
E assim o garoto foi transportado até a nau, onde seu pai se agarrava ao timão para tirar o navio de uma tempestade no cabo das tormentas, quando num dado momento viu num vislumbre seu filho cair ao mar, mas nem deu importância pensando se tratar apenas de uma vertigem passageira.
O garoto morreu naquele mesmo ano, um dia se passou em Lisboa e todos tinham ficado felizes com a execução do mordomo da família Gama, acusado de bruxaria e queimado vivo pela inquisição.
No outro dia todos acordaram e quando o sol lhes tocou os olhos ficaram cegos, sua retina queimou com a luz do sol.
O piar dos pássaros parecia com um grito de uma tropa em combate, o cheiro amplificado dos esgotos nas ruas nauseou a todos e muitos morreram vomitando até as tripas, loucos pelas novas sensações que suas mentes não estavam preparadas.
O rei a família real por sorte estavam fora, juntamente com todo seu séquito. Nenhum dos cronistas da corte presenciou a loucura que se abateu sobre a cidade.
Um dos homens da guarda, enlouquecido pelo barulho incessante em sua cabeça botou fogo no arsenal e as chamas se espalharam por toda a cidade, incendiando milhares de pessoas e destruindo as construções por onde passava.
Quando um mensageiro num forte próximo a cidade viu aquilo avisou a família real. Os padres da Inquisição que ficavam em Coimbra também foram avisados. Todos ficaram apavorados com os relatos desencontrados dos sobreviventes que pareciam acometidos de uma insanidade total e completa.
O caso foi julgado por um tribunal da inquisição e todos os que escaparam da tragédia foram mortos e enterrados em catacumbas abaixo da igreja dos Anjos.
Nenhum cronista foi autorizado a publicar sobre os eventos ocorridos naquele primeiro de novembro do ano de 1755 e a história foi reescrita. Disseram que um terremoto tinha causado um incêndio e matado a todas as pessoas, mesmo aos que sobreviveram ao fogo.
A população não ousou questionar e o rei temendo que o medo fizesse as pessoas evitar a cidade de Lisboa, ordenou que sob pena de lei que ninguém jamais deveria falar daquele dia onde o demônio agiu na capital do império Português.

O pai de Sebastião morreu de cólera na costa Africana, seus barcos se amotinaram, jogaram o segundo – oficial no mar e resolveram seguir ao costume francês e se tornarem saqueadores.

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